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Caminho do ouro: veja como a Baixada Cuiabana produz ouro legal e de origem sustentável

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Quando se fala em garimpo de ouro, o imaginário coletivo pinta uma imagem pouco favorável aos trabalhadores. O senso comum é imaginar trabalhadores mal remunerados, em más condições laborais, enfrentando dificuldades e se arriscando na venda de ouro ilegal. Porém, uma operação na Baixada Cuiabana, em Mato Grosso, tem feito o oposto disso, atuando com iniciativas sustentáveis e um incansável trabalho pela garantia de uma origem legal para o ouro.

Pequenos e médios garimpeiros da região se dedicam à cadeia de produção e de comercialização de ouro totalmente legal, fato inédito no Estado, que há séculos tem como uma das principais atividades extrativistas a mineração.

É debaixo de um sol escaldante do Mato Grosso, a mais de 40ºC na cidade de Poconé, a 100 km de Cuiabá, que minas de ouro trabalham sem descanso. O metal é retirado de dentro de pedras, que são processadas até virarem uma areia grossa.

Diferente do ouro aluvionar – aquele que é encontrado na superfície –, este ouro precisa passar por um processo para ser encontrado.

As minas em operação na Baixada Cuiabana atuam de forma sustentável e com zero emissão de carbono no meio ambiente, raridade no ramo e orgulho para o produtor, dono de uma propriedade fértil, que ainda aproveita sua fazenda para a produção de gado e soja. A mineração de ouro ocupa apenas 10% de toda a propriedade, que tem cerca de 600 hectares.

“Quando comprei essas terras, não tinha nada disso. Só tinha um buraco, e dentro dele tinha ouro, graças a Deus”, diz o garimpeiro, que não foi identificado por questões de segurança.

Como é extraído o ouro?

As pedras são moídas em maquinários fabricados no Brasil, considerados os de melhor qualidade, e que consomem 70% menos água do que moinhos de outras variedades. Depois, a terra proveniente do processo é despejada em tanques, onde já é possível ver o brilho do ouro misturado a terra com aspecto de areia. Dali, o ouro vai para equipamentos fechados onde é adicionado o mercúrio, responsável por fazer a decantação.

Poluente, o mercúrio é até 98% reaproveitado neste processo, e os 2% restantes são reprocessados, para evitar que qualquer quantidade seja despejada no meio ambiente.

Segundo a Fênix DTVM, 99% do processo produtivo é apoiado em processos simplesmente físicos, que não envolvem a adição de nenhum elemento químico sequer, utilizando, principalmente, o princípio da gravidade na separação do ouro.

“Para exemplificar, saímos de uma massa de aproximadamente 3.000 toneladas de rochas extraídas no dia, das quais aproximadamente 30% (1.000 ton) são submetidas aos processos produtivos industriais, e chegando para o âmbito dos processos químicos, que envolve a adição de mercúrio, apenas 0,4ton de material concentrado em ouro”, explica o Diretor de Operações da Fênix DTVM, Pedro Eugênio Procópio.

O mercúrio tem a capacidade de formar uma liga metálica com o ouro, criando uma amálgama que é facilmente separada do ouro. Além disso, o mercúrio é relativamente barato e de fácil manipulação, e ainda pode ser recuperado em sua maior parte.

“O objetivo é fazer com que o elemento capture as partículas de ouro e se transforme em uma massa extremamente densa, chamada amálgama, que contém ouro e mercúrio. Diante da densidade de tal massa é possível resgatar a amálgama, separando-a do resto das 0,4ton de concentrado e essa, por sua vez, passará por um procedimento de queima, evaporando o mercúrio e separando-o do ouro. Essa evaporação é feita dentro de um equipamento específico, chamado retorta, que coloca todo procedimento de queima dentro de ambiente controlado, permitindo, inclusive, a recuperação do mercúrio em processo de precipitação de gases, possibilitando a sua reutilização.

Todo esse procedimento deve ser realizado dentro de ambientes específicos, com utilização de EPIs específicos e com máquinas eficientes suficientes para garantirem a eficácia do processo de recuperação (segundo estudos e testes, recupera-se, ainda dentro da mineradora, aproximadamente 98,4% do mercúrio). A destinação final do material (0,4ton) que sofreu contato com o mercúrio também é de extrema importância para o uso consciente do produto, têm-se, inclusive, empresas especializadas na destinação final desse produto que são devidamente autorizadas pelas secretarias de meio ambiente, as quais, inclusive, possuem diligências e diretrizes específicas para autorizar e fiscalizar os empreendimentos minerais que são autorizados a operar com esses métodos”, explica Procópio.

Apesar da prática, a Fênix admite a necessidade da substituição do método, uma vez que o mercúrio é um produto nocivo, e que não tolera um mau manuseio. Por isso, a empresa investe em novas tecnologias que ofereçam a possibilidade de substituir o método químico, como o uso da folha do pau-de-balsa.

Toda a água utilizada no processo é de reuso. Só depois o ouro é forjado em barras e aí sim, vendido. Tudo isso acontece em uma pequena instalação dentro da fazenda, controlada eletronicamente e comandada pelo garimpeiro. No local, cerca de 40 trabalhadores revezam em turnos para operar caminhões e escavadeiras, com direito a ar condicionado na cabine.

Apesar de a atividade ser inevitavelmente extrativista, a degradação do solo é extremamente pontual, garante o garimpeiro. Em uma única mina, a expectativa é de exploração pelos próximos 40 anos, sem necessidade de abrir outra cava na mesma fazenda.

Todas as cavas possuem planos de fechamento de mina, uma obrigatoriedade prevista por lei no Brasil. Para compensar o dano causado no meio ambiente, há o caminho dos processos produtivos sustentáveis, com reutilização de água.

No processo, há neutralização de 100% do carbono que é emitido, e toda a energia parte de fontes renováveis. As alternativas foram encontradas para reduzir ao máximo o impacto gerado pela atividade no planeta.

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“Acho que a primeira consciência que tem que partir é uma consciência nossa de nos colocarmos como parte do problema. Agora, é uma consciência nossa também de nos colocarmos como parte da solução. Isso aqui é um auto-reconhecimento de que o problema tem a ver comigo e não apenas com o Estado, não apenas com os mineradores e não apenas com o consumidor final. Eu faço parte do problema e de alguma forma eu tenho que fazer parte da solução”, diz Pedro Eugênio Procópio

Carbono zero

As mineradoras de ouro da Baixada Cuiabana zeraram a emissão de carbono, segundo a Fênix DTVM, uma das práticas consideradas sustentáveis na cadeia de produção do minério. O objetivo é ajudar o setor a enfrentar os desafios das mudanças climáticas, onde passa a contribuir para o atendimento da ODS 07(Energia acessível e limpa) e a ODS 13 (Ação contra a Mudança Global do Clima).

A empresa realizou uma transição energética para fontes limpas de energia, e uma economia de baixo carbono, conhecendo todas as suas fontes de emissões de gases de efeito estufa. Assim, ela faz a gestão para diminuição dessas emissões e posterior compensação através do plantio de árvores nativas em áreas degradadas, apoiada por uma empresa certificada, garantindo o selo Carbon Free.

A medida segue as regulações que são relacionadas a critérios ESG, como a Resolução CMN 4945/2021, do Banco Central do Brasil (BCB), que consiste no conjunto de princípios e diretrizes de natureza social, de natureza ambiental e de natureza climática na condução dos seus negócios e atividades.

“Embora a mineração de ouro seja uma atividade intensiva em energia e emissora de carbono, as mineradoras podem desempenhar um papel importante na redução de seu impacto ambiental por meio da adoção de práticas responsáveis e da busca de inovações sustentáveis. Isso não apenas ajuda na neutralização das emissões de carbono, mas também promove uma indústria mais verde e ética”, diz a empresa.

A passos lentos, a empresa alega que já colhe os frutos do trabalho. “Estamos já colhendo frutos, não na velocidade que gostaríamos, mas já visualizamos mineradoras e fornecedores que estão tomando consciência que adotar as práticas de ESG contribuem para a preservação do meio ambiente, agregam valor ao produto e atrai compradores mais conscientes”.

Ouro legal

Um dos pilares da mineração sustentável, além das práticas que compensam o meio ambiente, é o trabalho com o ouro legal, exclusivamente. Com a mineração responsável, o ouro pode ser rastreado e tem certificação de origem, garantias de que é possível saber de onde veio e como foi extraído o mineral. Um grupo de empresários de Cuiabá decidiu fazer negócio com os produtores locais para certificar que a região venda ouro legal e com qualidade e origem rastreáveis.

Existem formas de uma atividade essencialmente extrativista ser sustentável e reduzir ao mínimo o impacto ambiental? Para a Fênix DTVM, a resposta é sim. A operadora financeira com sede em Cuiabá, no Mato Grosso, cujo principal ativo é o ouro, atua apenas com produtores, ou seja, mineradoras, que funcionam com práticas legais e sustentáveis. Uma grande lista de requisitos é necessária para que um produtor de ouro se encaixe nos moldes e possa, de fato, vender o ouro para a DTVM.

Isso porque, de acordo com o Diretor de Operações, Pedro Eugênio Procópio, um dos ideais da empresa é combater o ouro ilegal e o ouro legalizado, que é “esquentado” no mercado, mas também tem origem ilícita. Para ele, todo o trabalho em certificar que o ouro tenha uma origem legal é compensador, já que o cliente está cada vez mais exigente.

“Antes de tudo, é uma questão de sobrevivência. A gente fala de uma atividade, a mineração em si, que é naturalmente degradadora. É um fato inegável. E a gente precisa buscar técnicas para que a gente consiga tratar essa atividade de uma forma sustentável. Ao longo do tempo, o mercado foi tomando consciência dessa atitude degradadora da atividade e começou a aumentar o seu nível de exigência quanto à sustentabilidade aplicada aos processos”, explica o COO da empresa.

A exigência do mercado parte, principalmente, após a tragédia envolvendo os yanomami, no Norte do País, o que aumentou os olhares sobre as condições do garimpo ilegal e os impactos da falta de regulação do setor. Por um lado, está um mercado exigente, mas por outro, estão uma legislação frágil e uma cadeia produtiva que ultrapassa as exigências legais. Foi aí que a empresa viu uma brecha para atuar implementando regras para garantir o ouro responsável.

“Aos poucos a gente vem entendendo que todo esse estímulo à mineração responsável, essa transparência, no que se diz respeito à rastreabilidade, esse dever nosso de conhecer as nossas partes relacionadas, no que diz respeito à certificação de origem e até a mineração responsável, projetos de incentivo financeiro mesmo, a gente vê que é um caminho para ser um diferencial”.

“A gente se preocupa em mostrar que, sim, existe, é viável economicamente a comercialização de ouro responsável, é viável economicamente a extração de minério responsável, existe espaço no Brasil principalmente para se criar um grande berço de mineração de pequena e média escala de ouro responsável e que convive bem de forma sustentável com a sociedade, com o meio ambiente”.

Com as práticas sustentáveis na mineração, o pequeno e médio produtor ganha a possibilidade de garantir um futuro para as próximas gerações, que também poderão ter uma chance de trabalhar naquele ramo, além do incentivo financeiro que é recebido por meio de entidades.

Para onde vai o ouro?

Quem pensa que ouro só serve para a confecção de joias, está enganado. Apesar de o mercado joalheiro ser o principal destino do mineral, ele também é usado na fabricação de peças eletrônicas para aparelhos que vão desde celulares até a equipamentos médicos e muito mais.

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Depois que as barras de ouro são vendidas, o ouro é vendido aos pontos de compra de ouro (PCO) conveniados, negociado pelas DTVMs como ativo financeiro e vendido como material para a indústria. Na Fênix, os principais compradores estão na Índia, Dubai e Suíça, atualmente.

“Nossa missão é mostrar para um lado do mercado que isso custa, isso reflete na precificação, que existe um ouro rastreado e certificado com uma originação, e de alguma forma tem um valor agregado a mais nisso. E assim como para a originação, a gente precisa mostrar que existe forma de se precificar melhor um ouro responsável e convencer de que esse investimento vale a pena. Vale a pena, principalmente quando a gente olha para a perpetuidade, ou seja, aumento da vida útil de uma atividade.”

O que dizem ambientalistas

A professora do Instituto de Geociências da Unicamp, geóloga e ambientalista Maria José Mesquita desenvolve um projeto sobre sustentabilidade na mineração de pequena escala com cooperativas de garimpeiros no Norte do Mato Grosso e fundo internacional. Ela comenta que, na Baixada Cuiabana, a extração de ouro que ocorre em Poconé possui algumas das melhores atuações de cooperativas.

Ela explica que o ouro, por ser um metal raro, precisa movimentar uma grande quantidade de material para que uma pequena quantidade seja extraída. “Qualquer projeto de mineração para ser aprovado precisa de um plano de fechamento e um plano de recuperação ambiental para ser aprovado nos órgãos específicos. Se cada lado cumprir suas responsabilidades, diminuiremos os danos ambientais. Sem esquecer que os danos sociais mais imediatos de distribuição da renda da mineração também é um problema a ser considerado”.

A ONU traçou 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável, que devem ser observados também para avaliar o empreendimento da mineração, segundo Maria José. “Nestes objetivos leva-se em consideração erradicar pobreza, fome, agricultura sustentável, igualdade de gênero, educação de qualidade, redução da desigualdade, entre outros. Atingir o conjunto de todos eles é rumar para sustentabilidade. No caso específico da Baixada Cuiabana, são cooperativas de garimpeiros da Mineração artesanal e de pequena escala (Mape) e são exemplos para outras cooperativas brasileiras. Outro exemplo é a Coogavepe (Cooperativa de garimpeiros do Vale do Rio Peixoto), que tem feito, ao longo de muitos anos, esforços importantes na fiscalização e educação dos seus associados”, diz.

Para a especialista, devem ser implementados subsídios para a certificação do ouro sustentável, o que envolve avaliações anuais e evolução das práticas. Para isso, há empresas que certificam a mineração responsável entendendo a realidade da América Latina. A professora cita a Alliance foi Responsible Mining (ARM) como uma delas.

O ambientalista Vitor Camacho é também geógrafo e mestre em Ciências Ambientais, além de atuar com geoprocessamento. Ele explica a importância da responsabilização dos produtores de ouro pelos impactos que a atividade causa no meio ambiente.

“A grande questão entre a mineração ilegal e legal de ouro, está no compromisso e responsabilização pelos eventuais danos ambientais. Na extração ilegal não há responsabilização pelos danos, que por sua vez, ocorrem desenfreadamente, sem qualquer comprometimento. A partir da certificação de origem e rastreabilidade do ouro é possível tornar o processo rastreável e legal, pois para implementação e operação de projetos de extração legal de ouro, são necessárias licenças ambientais, para as quais são necessários estudos de medidas de mitigação e impactos”.

Camacho explica que a atividade, inevitavelmente, gera grandes impactos, e a principal saída para minimizá-los está em otimizar os processos para conseguirem degradar menos, com menos uso de recursos e com responsabilidade de recuperação, restauração e compensação das áreas afetadas.

O especialista ainda reitera que, além da sustentabilidade na cadeia produtiva do ouro, também é importante discutir novos métodos e novos processos.

“Precisamos pensar em novos debates, como a aplicação do ouro em nossos componentes tecnológicos, sua possível substituição por materiais que possam ser de origem sustentável e até mesmo a reciclagem de equipamentos que levem ouro em sua composição como o caso de computadores obsoletos. Para isso, o investimento em novas pesquisas de tecnologia de materiais é fundamental, precisamos pautar a importância das instituições de pesquisa e universidades nesse tema”, completa.

Uma mina que usa mercúrio pode ser considerada sustentável?

O ambientalista Vitor Camacho acredita que, dificilmente, uma mina de ouro que utiliza mercúrio no processo estará isenta da possibilidade de causar danos ambientais e à saúde humana. “Por se tratar de um metal-líquido e por estar em uma etapa do processo de extração que envolve ações mecânicas, apresenta um grande risco de absorção de vapor desse metal, que via de regra ocorre por via pulmonar, causando intoxicações graves”.

“No meio ambiente o mercúrio ocasiona a contaminação de peixes e o risco de envenenamento de quem deles se alimenta, pois apresenta a característica de bioacumulação, ou seja, a substância passa a se concentrar em tecidos e órgãos, inclusive seres humanos. A intoxicação por mercúrio pode provocar na saúde humana danos ao sistema neurológico”, explica.

A professora Maria José coordena um projeto que testa um bioextrator como substituto do mercúrio no garimpo de ouro. “É o pau-de-balsa, planta nativa do Norte do País e que já é usado pela etnia Terena da Colômbia para este fim. O projeto envolve a Embrapa, Unicamp e a cooperativa Coogavepe”, explica. A especialista também coordena um projeto da Unicamp com a Universidade de Cardiff, Embrapa, UFMT e ARM com o fundo internacional Global Challenges Research FUND (GCRF), do Reino Unido, para desenvolver pesquisa sobre fitorremediação, substituição do mercúrio e certificação de ouro responsável.

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Especialistas debatem proibição do mercúrio na extração de ouro

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Foto: Ton Molina

Vários setores econômicos já abandonaram o uso do mercúrio devido a seu impacto na saúde das pessoas e no meio ambiente. Mas o metal continua a ser largamente utilizado na extração de ouro, especialmente na Amazônia. Apenas entre 2018 e 2022, 185 toneladas de mercúrio de origem desconhecida podem ter sido utilizadas nos garimpos do país.

Em debate realizado nesta terça-feira (7) pelo jornal Correio Braziliense em parceria com o Instituto Escolhas, representantes do poder público, empresários e pesquisadores concordaram sobre a necessidade de pôr fim ao uso de mercúrio nos garimpos, mas divergiram sobre o que precisa ser feito até sua erradicação e sobre a conveniência de uma proibição imediata.

Ao abrir o evento, Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, destacou a importância de a discussão da erradicação do mercúrio e de alternativas viáveis economicamente a esse insumo da mineração acontecer às vésperas da COP30, que será realizada em novembro na cidade  de Belém (PA).

Primeiro convidado a falar, Eloy Terena, secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), afirmou que o garimpo ilegal está presente em 26 Terras Indígenas, de forma mais intensa e preocupante em quatro delas: Kayapó, Munduruku, Yanomami e Sararé. “O garimpo é vetor de violência, desmatamento, contaminação das águas e desestruturação social.”

Jair Schmitt, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, responsável pelas ações de fiscalização do órgão, listou as iniciativas tomadas pelo instituto no atual governo e usou uma imagem forte para falar da “explosão do garimpo ilegal na Amazônia” de 2017 a 2023. “Quando a gente olha as imagens dos satélites, o que a gente está vendo ali é a proliferação de um grande câncer”, afirmou.

 

Controles sobre o uso do mercúrio

Depois das falas inaugurais de Terena e Schmitt, teve início a primeira mesa do debate, que discutiu “Controles sobre o uso do mercúrio: desafios e perspectivas”. Renato Madsen Arruda, diretor substituto da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, afirmou que a PF tem como objetivo principal, ao lado de outros órgãos da administração pública, atacar o crime organizado que cerca a atividade da mineração ilegal.

“Não é aquele garimpeiro, aquele trabalhador braçal que está ali nos rincões da Amazônia que está acumulando essa riqueza. Há outros atores que estão acumulando essa riqueza e financiando a atividade. A estratégia da Polícia Federal tem sido principalmente descapitalizar esses atores que circundam a atividade da mineração ilegal e que enriquecem em prejuízo do meio ambiente e das comunidades que vivem na região amazônica”, disse Arruda.

O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), autor de um projeto de lei que proíbe o uso do mercúrio em atividades de mineração, lembrou que durante os governos Michel Temer (2016 a 2018) e Jair Bolsonaro (2019 a 2022) a “atividade minerária ilegal explodiu de forma extraordinária”. E lamentou a força política de parlamentares que buscam flexibilizar a legislação do setor. “Há um lobby muito forte da mineração dentro do Congresso que, por vezes, trabalha de forma conjunta com o lobby da mineração ilegal”, disse.

Diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues destacou que o uso do mercúrio na mineração já é altamente regulado, citando a necessidade de licenciamento ambiental e de autorização, pelo Ibama, de sua importação – o Brasil não produz mercúrio. “O que a gente podia fazer em termos de regulação para tentar diminuir a periculosidade do uso dessa substância já foi feito.”

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Apesar disso, os resultados positivos não apareceram e é hora de “mudar a chave”. “Esse esforço que a gente precisa fazer para usar o mercúrio numa condição um pouco mais segura é tão grande que eu acho que a gente poderia pegar esse mesmo esforço e colocar nas alternativas”, disse. E a melhor alternativa é a “erradicação”, declarou.

“Acho que, de fato, a gente precisa caminhar em direção à proibição total do mercúrio na extração de ouro, como a gente fez em outros segmentos.” A pesquisadora parabenizou Nilto Tatto, a seu lado na mesa, por apresentar o projeto que proíbe o uso do mercúrio.

O último a falar na primeira mesa, Giorgio de Tomi, professor titular da Escola Politécnica da USP e Coordenador Técnico do Projeto Ouro Sem Mercúrio, defendeu a importância do Estado na mudança da realidade do garimpeiro que atua de forma ilegal. “Existe a vontade dos garimpeiros de mudar e evoluir”, afirmou. “Mas eles precisam de ajuda.”

“Hoje eles trabalham em regiões remotas, sem apoio nenhum. A única presença do Estado, quando tem, é na hora de reprimir, fiscalizar”. Para De Tomi, os que usam mercúrio no garimpo ilegal “precisam de apoio técnico, econômico e de Estado para facilitar essa transição”.

Três convidados falaram entre as duas mesas do debate. Julevânia Olegário, diretora do Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração (DDSM) do Ministério de Minas e Energia (MME), defendeu a eliminação do mercúrio nos garimpos, mas disse ser importante que o Estado brasileiro ajude a capacitar as pessoas envolvidas na extração de ouro, já que a “atividade é feita, na maioria das vezes, por comunidades tradicionais e vulneráveis”. Afirmou que é preciso fomentar alternativas ao mercúrio que sejam “economicamente viáveis”.

Diretora do Departamento de Qualidade Ambiental do Ministério de Meio Ambiente, Thaianne Resende alertou para o impacto do mercúrio na saúde e no meio ambiente. “O mercúrio é silencioso, invisível, mas deixa marcas profundas na saúde, na água e na floresta”, afirmou.

Miguel Castro, ponto focal regional para Latam e Caribe do Centro CER da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), destacou a preocupação da organização em estabelecer padrões elevados de políticas públicas entre os 38 países-membros e países parceiros, como o Brasil.

Para a OCDE, a estabilidade das cadeias de fornecimento deve caminhar junto com a sustentabilidade. “Essa visão reforça a necessidade de uma mineração responsável, não apenas como uma exigência, mas também como uma oportunidade de desenvolvimento inclusivo e a longo prazo.”

 

Alternativas ao uso do mercúrio

Abrindo a segunda mesa, que debateu “Alternativas ao uso do mercúrio: para onde vamos?”, Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, criticou a obrigação legal de que todo o ouro que sai dos garimpos precisa ser vendido para Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, as DTVMs. Cinco delas dominam hoje o mercado brasileiro de ouro.

“Nos últimos anos essas instituições financeiras que tinham ou que tem autorização do Banco Central comercializaram e financiaram o ouro ilegal que circulou pelo Brasil e ganhou o exterior”, afirmou. “Quando a gente fala de lavagem de ouro, essas instituições sempre foram um ponto de lavanderia.”

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A diretora do Escolhas defendeu a abertura de mercado, no qual uma indústria possa comprar diretamente de quem produz o ouro de forma responsável. “A gente não vai conseguir incentivar [as boas práticas] se a gente não tirar do meio do caminho as forças que até hoje só incentivaram o mercado ilegal.”

Larissa destacou ainda o fato de existirem hoje alternativas rentáveis ao mercúrio. “Muitas pessoas me perguntam: qual a alternativa ao mercúrio? Às vezes, a resposta não é tão complicada assim. Há algumas questões de tecnologia que às vezes são mais difíceis. Mas existem garimpos produzindo ouro sem mercúrio. Utiliza o quê no lugar? Nada. Utiliza água. A força mecânica da gravidade.”

Gilson Camboim, presidente na Federação das Cooperativas de Mineração do Estado de Mato Grosso, listou uma série de avanços tecnológicos que estão sendo desenvolvidos em centros de pesquisa e podem substituir o mercúrio – como o uso de nanopartículas de magnetita e o extrato das folhas do pau-de-balsa – e alguns que já estão sendo usados pelos garimpeiros – como o processo que une bombeamento de água e filtragem por meio de calhas.

Camboim destacou o papel do cooperativismo na busca de soluções que substituam o mercúrio. “O cooperativismo foi reconhecido pela ONU neste ano de 2025 como um mecanismo para o aprimoramento das atividades econômicas. Vamos lutar para conseguir chegar a este ponto, de eliminar o uso do mercúrio.”

Para Eduardo Gama, diretor de operação da startup Certimine, há muitos desafios para a substituição do mercúrio, um deles o fato de ser eficiente. “O mercúrio é muito tolerante e muito democrático. Aceita folha, areia. O que você alimentar, ele vai tirar ouro. O mesmo não pode ser dito sobre os outros métodos. Eu gosto de falar que o mercúrio é a força bruta, enquanto o resto é ajuste fino”.

Gama destacou a dificuldade de os pequenos mineradores irem para métodos mais sofisticados, pois não conseguem financiamento. “Eles ficam presos numa ratoeira, pois não conseguem migrar para outro regime. E precisam daquela atividade para sobreviver.”

Elena Crespo, professora titular da Universidade Federal do Pará e coordenadora do Instituto Amazônico do Mercúrio, lembrou que a Amazônia é responsável por 80% das emissões de mercúrio na América do Sul e a segunda região do mundo que mais emite a substância.  E destacou que o ouro não fica na Amazônia. “Mas somos os primeiros a receber todas as consequências, as mais graves.” Entre elas, danos ao desenvolvimento das crianças, que passam a ter problemas de aprendizagem. “Falamos aqui de comprometimento das gerações futuras.”

Crespo disse acreditar que os garimpeiros da Amazônia querem mudar esse panorama. “Ninguém quer se expor ou expor sua família simplesmente por ganância”, afirmou a pesquisadora. “Dando oportunidade para eles, vão tornar esse quadro muito mais sustentável.”

Assista à integra do debate no canal do Correio Braziliense no YouTube.

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