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A metamorfose da mineração na era da automação e do digital
Publicado em
24 de junho de 2024
Automação, digitalização e inteligência artificial (IA) têm proporcionado uma metamorfose na indústria de mineração, em busca de um maior compromisso com a eficiência e a segurança.
Na nova era dos dados, é fundamental reconfigurar as práticas corporativas e operacionais para alcançar o aumento desejado na produção sem perder de vista os novos padrões sociais, ambientais e até políticos. A opinião é de Liv Carroll, diretora global de mineração e recursos naturais da Accenture.
Nesta entrevista à BNamericas, ela aprofunda as principais tendências tecnológicas para otimizar a atividade de mineração.
Esta é a primeira parte de uma entrevista em duas partes. A segunda, que será publicada em breve, aborda os desafios da governação para enfrentar os desafios das alterações climáticas na mineração.
BNamericas: Como a mineração caminha rumo à automação?
Carroll: As operações autônomas estão sendo cada vez mais implementadas para aumentar a segurança e a eficiência e, em algumas regiões, a escassez de mão de obra.
A princípio o foco esteve em equipamentos móveis como caminhões, trens e sondas de perfuração, e nos últimos anos tem estado na automação de processos, como carregamento de trens, e em ações relacionadas a informações de machine learning e IA.
Além disso, continuam a ser desenvolvidos centros operacionais remotos e integrados [ROC/IOC], os quais permitem o controle e monitoramento remoto de equipamentos e operações, como sistemas de transporte autônomo, britadores de rocha, LHD [máquinas de carga, transporte e descarga], equipamentos de perfuração, drones e outros.
BNamericas: Quais vantagens os ROCs oferecem?
Carroll: Ao permitir o monitoramento, controle e automação remotos das operações de mineração, a necessidade de o pessoal estar fisicamente em ambientes perigosos é reduzida e o risco de acidentes é minimizado.
Além disso, facilitam uma resposta rápida a problemas de desempenho operacional, como paralisações não planejadas, e tornam o desempenho operacional visível com dados quase em tempo real e análises avançadas que permitem decisões informadas e oportunas.
O uso de análises preditivas em ROCs permite a manutenção proativa de equipamentos, reduz falhas inesperadas e melhora a eficiência operacional. Da mesma forma, possibilita o controle remoto de máquinas e equipamentos automatizados, como caminhões autônomos e sistemas de perfuração, aumentando a eficiência operacional e reduzindo erros humanos.
Os ROCs também permitem operações baseadas em dados e análises avançadas com IA preditiva para que os operadores possam responder a emergências, permitindo evacuação e intervenção rápidas. Isto favorece uma indústria mais receptiva e preventiva, maximizando segurança, eficiência, sustentabilidade e rentabilidade.
BNamericas: Que outros benefícios a remotização traz?
Carroll: Não só melhora a segurança por ter menos pessoas trabalhando com equipamentos pesados, mas as operações remotas e integradas são mais eficientes e reduzem o desgaste dos equipamentos. Isto se traduz em uma redução de custos operacionais, pois permite que os problemas sejam resolvidos rapidamente ou que sejam tomadas medidas antes que estes ocorram.
Os ROCs também ajudam a atrair mais mão de obra, oferecendo um local de trabalho seguro, em muitos casos localizado mais perto de casa.
Para introduzir mais autonomia, é necessário o acesso aos dados via IA [inteligência artificial] e aprendizagem automática, para que o operador humano possa tomar uma decisão baseada em dados e executá-la rapidamente. Por esta razão, muitas mineradoras investem em gêmeos digitais para partes essenciais da operação, como o moinho de bolas, a unidade de transformação ou a fundição, uma vez que permitem modelar, optimizar e automatizar múltiplos cenários desde a mina até ao porto.
BNamericas: Onde está a indústria de mineração latino-americana em termos de automação?
Carroll: A mineração latino-americana está se posicionando como um ator importante no cenário global. Chile, Peru e Brasil possuem importantes depósitos minerais, especialmente cobre, lítio e minério de ferro, e estão na vanguarda da adoção de tecnologias autônomas na região.
Espera-se que o investimento em IA e automação aumente a competitividade da mineração latino-americana.
BNamericas: Quanto as mineradoras estão investindo em inovação e IA?
Carroll: Elas investem significativamente em inovação e inteligência digital para melhorar a segurança, a eficiência, a sustentabilidade e a lucratividade. Há uma transformação da exploração para a experiência do cliente, tanto nas funções corporativas quanto nas operações. Isto é, em grande parte, impulsionado pela transição para economias de baixo carbono e por mudanças nas expectativas da sociedade, do trabalho e dos investidores, nos quais se procuram modelos de negócio baseados na circularidade para satisfazer a procura de minerais.
De acordo com números da Accenture, 95% dos executivos de recursos naturais e de mineração veem a tecnologia como um elemento-chave para a competitividade. Até 2030, espera-se que os investimentos em tecnologias digitais e IA impulsionem mudanças substanciais na eficiência operacional e na sustentabilidade.
O Fórum Económico Mundial e a Accenture destacam parcerias para criar eficiência sistêmica, eletrificação e captura de carbono em clusters industriais, com potencial para reduzir mais de 300 milhões de toneladas de CO₂ até 2030, proteger 17,8 milhões de empregos e contribuir com US$ 2,5 bilhões de dólares para o PIB global até 2050.
BNamericas: Quais são as tendências em digitalização e tecnologias de mineração?
Carroll: Operação autônoma e remota, hospedagem de dados em nuvem, análises avançadas, IA, banco de dados, núcleo digital e força de trabalho digital. A automação é buscada em caminhões, equipamentos de perfuração, trens e em processos com IA generativa que proporciona maior acesso a dados organizados e de qualidade para garantir a confiabilidade do conhecimento.
Silos de dados e processos tradicionais levam a problemas de qualidade dos dados, duplicação de dados e falta de uma única fonte de verdade. É por isso que a análise avançada e a IA estão sendo aplicadas em toda a cadeia de valor da mineração, desde as primeiras fases de exploração com análise prospectiva, passando por projetos de capital e monitorização da entrega dos projetos.
Os algoritmos permitem analisar tendências de dados em equipamentos operacionais, prever falhas para evitar tempo de inatividade e reduzir a indisponibilidade dos equipamentos e a pegada de carbono. A aplicação de tecnologias digitais na mineração reduz custos, tempo de processo, desperdícios, emissões e consumo de água. Ao mesmo tempo, proporciona maior recuperação e produção.
BNamericas: Que inovações existem para reutilizar minerais excedentes na gestão de rejeitos?
Carroll: O relatório Global Industry Standard on Tailings Management, de 2020, catalisa avanços significativos nas instalações de armazenamento de rejeitos por meio de um monitoramento mais inteligente com IoT e IA.
Na Accenture promovemos a gestão inteligente de rejeitos, combinando sensores, dados de satélites meteorológicos e estudos realizados por drones que – por meio de um painel de controle e algoritmos de machine learning – preveem tendências de deformação ou níveis de água, gerando alertas automatizados.
Várias empresas estão tentando reprocessar o excesso de mineral dos rejeitos com novas tecnologias de processamento para reutilizá-lo em outros produtos, como agregados, por meio da economia circular.
Para excluir resíduos, está a ser utilizado um processamento alternativo, como a biolixiviação. A Anglo American, por exemplo, foi pioneira em resíduos desidratados hidraulicamente, conhecidos como resíduos de células secas.
Em geral, a transformação tecnológica dos últimos anos melhorou a eficácia na supervisão e gestão das instalações de resíduos, reduzindo significativamente os riscos.
BNamericas: Como podemos avançar na descarbonização dos equipamentos de transporte e mineração móvel?
Carroll: As grandes mineradoras estão adotando frotas elétricas de caminhões ou veículos leves, como o caso de El Teniente, da Codelco, onde possuem uma frota de ônibus elétricos para transportar trabalhadores. A descarbonização do transporte mineiro, especialmente dos caminhões CAEX e outros equipamentos móveis, é um desafio crítico.
A indústria de mineração está explorando soluções para substituir os combustíveis fósseis por energia limpa, incluindo veículos elétricos, caminhões movidos a hidrogénio e híbridos. A utilização de veículos autônomos resulta em um menor consumo de combustível e menos emissões. Cada vez mais veículos elétricos também estão sendo usados no subsolo.
O grupo de trabalho Electric Mine do Global Mining Guidelines Group [GMG], do qual a Accenture é membro e eu sou diretor, publicou a terceira versão das Práticas Recomendadas para Veículos Elétricos a Bateria em Mineração Subterrânea em 2022, a qual inclui conteúdo de segurança, risco, resposta a emergências, manutenção e interfaces de conexão automatizadas. Por meio do GMG, mineradoras e fornecedores colaboram para solucionar esse grande desafio, que é a transformação mais significativa da história da mineração.
BNamericas: E quanto à abordagem para uma indústria de mineração 4.0?
Carroll: Na Accenture acreditamos que o mundo está na era da indústria X, que vê o uso de tecnologias para inteligência de negócios e conecta as áreas de projeto, engenharia, compras, construção e gestão de capital para garantir que os projetos sejam entregues dentro do prazo e do orçamento.
Estamos trabalhando com clientes para desenvolver gêmeos digitais combinados com IA para redefinir processos e aumentar a eficiência. Utilizando dados e tecnologias digitais, como realidade aumentada e virtual, nuvem, IA, 5G, robótica e gêmeos digitais, as mineradoras constroem negócios mais resilientes e ágeis para o futuro.
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Como a China dominou minerais críticos da transição
Published
1 dia atráson
15 de setembro de 2025
Tecnologias modernas têm como peças-chave 17 elementos da tabela periódica: as terras raras, essenciais para inteligência artificial, chips, bombas e produção de energia limpa. A China domina a produção, define preços e transforma esses metais em moeda geopolítica.
A mineração é apenas o primeiro passo. O maior desafio está no processamento, separação e refino dos elementos, que são caros e complexos.
A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) estima que a China seja responsável por cerca de 61% da produção de terras raras e 92% do seu processamento. É justamente isso que confere ao país uma posição de força no tabuleiro da geopolítica.
As terras raras também são importantes para sistemas de defesa avançados, como fabricação de jatos militares, mísseis e sistemas de radar.
Isso garante à China um poder de barganha. Em resposta às tarifas impostas por Donald Trump, por exemplo, a China restringiu exportações de certos elementos, o que coloca as indústrias americanas de ponta em risco, como a de veículos elétricos o que coloca as indústrias americanas de ponta em risco, como a de veículos elétricos e a de defesa.
Não foi a primeira vez que terras raras entraram no centro de disputa dos EUA. Em 2022, Trump chegou a negociar com a Ucrânia a extração desses minerais em meio às conversas sobre um possível acordo de paz com a Rússia, ainda nos primeiros meses da guerra.
Hoje, países correm para diversificar suas fontes de suprimento e fortalecer suas próprias produções. “Mesmo antes do governo Trump, a Europa já havia acendido o alerta para os riscos da dependência externa de minerais estratégicos”, diz Júlio Nery, diretor de assuntos minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
A ascensão chinesa
A China reconheceu o valor estratégico das terras raras nos anos 1960, quando os Estados Unidos ainda dominavam o mercado. Desde então, começou a copiar o modelo americano e comprou empresas estrangeiras – inclusive a maior empresa americana de ímãs de terras raras, a Magnequench.
Isso permitiu que a China tivesse em mãos as patentes, equipamentos e expertise técnica. Nos anos 1990, o então líder chinês Deng Xiaoping (1904-1997), fez uma declaração que ficou famosa: “O Oriente Médio tem petróleo, a China tem terras raras.”
O investimento nesses minerais tornou-se uma estratégia de Estado. O país buscou consolidar a indústria, reduzindo-a para seis grandes empresas, em uma campanha chamada de “guerra secreta” contra a produção ilegal.
Também foram feitos investimentos em mapeamento geológico, a primeira etapa para o desenvolvimento da mineração, diz Guilherme Sonntag Hoerlle, geólogo e professor da Universidade Federal do Paraná.
“Há mais de 25 anos, a China investiu pesado em pesquisas nesses depósitos. Não porque tivesse reservas muito maiores, mas porque o governo chinês enxergou o potencial de longo prazo e manteve consistência”, diz.
Hoje, a China também tem consolidadas indústrias de carros elétricos, turbinas eólicas e robótica, que criam demanda interna significativa para terras raras e contribuem para gerar mais valor na cadeira.
Descaso ambiental
Esses avanços foram possíveis, em grande parte, porque a China operou sob quase nenhuma regra ambiental.
O processo de lixiviação (método químico usado para separar minerais), por exemplo, é feito em pilhas – o minério é empilhado e a solução química escoa dissolvendo os elementos; ou in situ, quando a reação é injetada diretamente no corpo mineral no próprio local.
As soluções usam ácidos fortes, como sulfúrico, nítrico ou clorídrico, que podem se infiltrar no solo e contaminar água e ar. O processo também exige grandes volumes de água e gera resíduos sólidos que, se não forem tratados, se acumulam como passivo ambiental. Um dos casos mais emblemáticos é o lago de rejeitos tóxicos em Baotou, na Mongólia Interior.
A separação e o refino de terras raras usam mais energia que a mineração inicial. A estimativa é entre 9 e 13 vezes a mais para cada tonelada processada.
Agora, países como Japão, Austrália, Canadá e Arábia Saudita vêm estabelecendo limites em suas políticas de minerais críticos, para não depender só da China, segundo Nery, do Ibram. Nesse cenário, o Brasil teria uma “janela de oportunidade” comercial.
“Se criar as condições necessárias, [o Brasil] pode avançar na cadeia de valor e estimular a industrialização local”, diz.
O domínio chinês gera incertezas para investimentos em novas minas e refinarias em outros países. A imprevisibilidade do mercado e a manipulação de preços tornam esses projetos arriscados e afastam capital de companhias no ocidente.
As descobertas de minerais e os processos de extração são de alto risco e investimento. No caso do Brasil, apenas uma mina extrai e exporta – para a China – um produto mais “puro” de terras raras, sem a separação de cada elemento.