ENTREVISTA
Mulheres na mineração: ‘Precisamos de oportunidades e equiparidade de salário’, afirma especialista

A participação das mulheres na mineração, setor amplamente dominado pelos homens, vem crescendo. De acordo com o Women in Mining Brasil (WIM Brasil), movimento que objetiva ampliação e fortalecimento feminino no setor, houve avanço em 2023.
O levantamento, desenvolvido em parceria com a Ernst&Young (EY), se refere ao contexto das 33 empresas signatárias do Plano de Ação do WIM Brasil. O número de contratações do sexo feminino subiu de 32% em 2022 para 43% no ano passado.
No exercício de cargos de gestão, houve um discreto progresso – apesar de o índice de representatividade de mulheres ser inferior em comparação ao de homens (apenas 27% do total). Neste ano, registrou-se 24% da presença feminina à frente da alta gestão corporativa – em 2022, este quadro era de 22%.
No geral, um a cada 5 funcionários é do sexo feminino, conforme os dados do 5º relatório anual de indicadores.
“O que a gente busca agora é entender e trabalhar estes números. Pensar que diversidade, equidade e inclusão precisam fazer parte das estratégias, dos orçamentos, das políticas das empresas do setor, do governo, dos órgãos reguladores”, salientou Patrícia Procópio, presidente do WIM Brasil, durante a apresentação do relatório.
Aos 59 anos, sendo 35 deles de atuação na mineração, Patrícia Procópio é PhD em Geologia e, atualmente, ocupa o cargo de diretora Latam de Planejamento, Inovação & ESG na Hexagon, grupo multinacional de tecnologia, que desenvolve sensores, software e soluções autônomas com sede em Belo Horizonte.
Como a senhora iniciou a trajetória na área?
Apesar da escolha de estudar geologia, a mineração não era uma intenção, que acabou acontecendo para trabalhar na Vale em Itabira.
Quais as principais demandas do público feminino na mineração?
Precisamos de equidade de oportunidades e também equiparidade de salário, o que ainda é uma realidade distante.
Ainda existe muito preconceito? Em todos os cargos/funções?
Sim, ainda há um grande preconceito, principalmente em relação as mulheres trabalharem em áreas operacionais, remotas e em minas subterrâneas.
O Relatório de Indicadores do WIMBrasil apresenta números importantes, dando visibilidade à situação atual do setor, como a baixa participação de mulheres nas áreas operacionais, na liderança e nos boards das empresas. Como enfrentar isso?
Principalmente trabalhar o letramento das pessoas, mantendo a pauta ativa, o diálogo constante. As metas propostas pelas empresas e pelo Instituto Brasileiro de Mineração também são uma das formas de se mudar este cenário. As empresas em que se observa um crescimento mais significativo, a meta está atrelada a performance dos executivos.
Desde o primeiro relatório até este, as dificuldades continuam as mesmas, aumentaram ou diminuíram?
Uma questão que foi relevante ano passado e neste nos chamou ainda mais atenção é: a gente vem tendo aumento na participação das mulheres, mas também um maior número de desligamentos de mulheres. Não adianta atrair, tem que reter. E o que a gente está fazendo para reter. Precisamos de ações para tornar o ambiente mais seguro, que ele seja receptivo, que atenda essas mulheres. Ou seja, a gente precisa trabalhar na conscientização, as micro agressões, o entendimento. Enquanto movimento, enquanto participantes da diretoria e membros, a gente vem crescendo, amadurecendo, aprendendo… aprendendo juntas. Nascemos (WIM) por vontade – às vezes nem tanto por entendimento e conhecimento. Hoje estudamos, buscamos parcerias com especialistas, com pessoas mais comprometidas, e percebemos que o setor precisa amadurecer junto.
É possível estimar qual a participação feminina na mineração em Minas?
Não temos o número de Minas. Em relação ao país e ao restante do mundo, os números são muito variados. Na América Latina, o Brasil lidera na participação de mulheres, resultado do nosso trabalho intenso. No Peru por exemplo, a participação ainda está na casa de um dígito somente , ficando em menos de 10%. No mundo varia pouco dentro dos novos números apresentados pelo WIM, cerca de 21%. Ainda temos muito trabalho a fazer.
Minas Gerais foi palco dos maiores tragédias da história da mineração. Os desastres em Mariana e Brumadinho deixaram lições?
Muitas lições, que não tiram o papel essencial da mineração para o bem viver da humanidade, mas que exige que se torne cada vez mais segura, responsável e sustentável. E o WIM Brasil acredita que times cada vez mais diversos e inclusivos nos guiarão a este objetivo, trazendo novos olhares para a mineração.
Notícias
Especialistas debatem proibição do mercúrio na extração de ouro
Published
1 semana atráson
11 de outubro de 2025
Vários setores econômicos já abandonaram o uso do mercúrio devido a seu impacto na saúde das pessoas e no meio ambiente. Mas o metal continua a ser largamente utilizado na extração de ouro, especialmente na Amazônia. Apenas entre 2018 e 2022, 185 toneladas de mercúrio de origem desconhecida podem ter sido utilizadas nos garimpos do país.
Em debate realizado nesta terça-feira (7) pelo jornal Correio Braziliense em parceria com o Instituto Escolhas, representantes do poder público, empresários e pesquisadores concordaram sobre a necessidade de pôr fim ao uso de mercúrio nos garimpos, mas divergiram sobre o que precisa ser feito até sua erradicação e sobre a conveniência de uma proibição imediata.
Ao abrir o evento, Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, destacou a importância de a discussão da erradicação do mercúrio e de alternativas viáveis economicamente a esse insumo da mineração acontecer às vésperas da COP30, que será realizada em novembro na cidade de Belém (PA).
Primeiro convidado a falar, Eloy Terena, secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), afirmou que o garimpo ilegal está presente em 26 Terras Indígenas, de forma mais intensa e preocupante em quatro delas: Kayapó, Munduruku, Yanomami e Sararé. “O garimpo é vetor de violência, desmatamento, contaminação das águas e desestruturação social.”
Jair Schmitt, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, responsável pelas ações de fiscalização do órgão, listou as iniciativas tomadas pelo instituto no atual governo e usou uma imagem forte para falar da “explosão do garimpo ilegal na Amazônia” de 2017 a 2023. “Quando a gente olha as imagens dos satélites, o que a gente está vendo ali é a proliferação de um grande câncer”, afirmou.
Controles sobre o uso do mercúrio
Depois das falas inaugurais de Terena e Schmitt, teve início a primeira mesa do debate, que discutiu “Controles sobre o uso do mercúrio: desafios e perspectivas”. Renato Madsen Arruda, diretor substituto da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, afirmou que a PF tem como objetivo principal, ao lado de outros órgãos da administração pública, atacar o crime organizado que cerca a atividade da mineração ilegal.
“Não é aquele garimpeiro, aquele trabalhador braçal que está ali nos rincões da Amazônia que está acumulando essa riqueza. Há outros atores que estão acumulando essa riqueza e financiando a atividade. A estratégia da Polícia Federal tem sido principalmente descapitalizar esses atores que circundam a atividade da mineração ilegal e que enriquecem em prejuízo do meio ambiente e das comunidades que vivem na região amazônica”, disse Arruda.
O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), autor de um projeto de lei que proíbe o uso do mercúrio em atividades de mineração, lembrou que durante os governos Michel Temer (2016 a 2018) e Jair Bolsonaro (2019 a 2022) a “atividade minerária ilegal explodiu de forma extraordinária”. E lamentou a força política de parlamentares que buscam flexibilizar a legislação do setor. “Há um lobby muito forte da mineração dentro do Congresso que, por vezes, trabalha de forma conjunta com o lobby da mineração ilegal”, disse.
Diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues destacou que o uso do mercúrio na mineração já é altamente regulado, citando a necessidade de licenciamento ambiental e de autorização, pelo Ibama, de sua importação – o Brasil não produz mercúrio. “O que a gente podia fazer em termos de regulação para tentar diminuir a periculosidade do uso dessa substância já foi feito.”
Apesar disso, os resultados positivos não apareceram e é hora de “mudar a chave”. “Esse esforço que a gente precisa fazer para usar o mercúrio numa condição um pouco mais segura é tão grande que eu acho que a gente poderia pegar esse mesmo esforço e colocar nas alternativas”, disse. E a melhor alternativa é a “erradicação”, declarou.
“Acho que, de fato, a gente precisa caminhar em direção à proibição total do mercúrio na extração de ouro, como a gente fez em outros segmentos.” A pesquisadora parabenizou Nilto Tatto, a seu lado na mesa, por apresentar o projeto que proíbe o uso do mercúrio.
O último a falar na primeira mesa, Giorgio de Tomi, professor titular da Escola Politécnica da USP e Coordenador Técnico do Projeto Ouro Sem Mercúrio, defendeu a importância do Estado na mudança da realidade do garimpeiro que atua de forma ilegal. “Existe a vontade dos garimpeiros de mudar e evoluir”, afirmou. “Mas eles precisam de ajuda.”
“Hoje eles trabalham em regiões remotas, sem apoio nenhum. A única presença do Estado, quando tem, é na hora de reprimir, fiscalizar”. Para De Tomi, os que usam mercúrio no garimpo ilegal “precisam de apoio técnico, econômico e de Estado para facilitar essa transição”.
Três convidados falaram entre as duas mesas do debate. Julevânia Olegário, diretora do Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração (DDSM) do Ministério de Minas e Energia (MME), defendeu a eliminação do mercúrio nos garimpos, mas disse ser importante que o Estado brasileiro ajude a capacitar as pessoas envolvidas na extração de ouro, já que a “atividade é feita, na maioria das vezes, por comunidades tradicionais e vulneráveis”. Afirmou que é preciso fomentar alternativas ao mercúrio que sejam “economicamente viáveis”.
Diretora do Departamento de Qualidade Ambiental do Ministério de Meio Ambiente, Thaianne Resende alertou para o impacto do mercúrio na saúde e no meio ambiente. “O mercúrio é silencioso, invisível, mas deixa marcas profundas na saúde, na água e na floresta”, afirmou.
Miguel Castro, ponto focal regional para Latam e Caribe do Centro CER da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), destacou a preocupação da organização em estabelecer padrões elevados de políticas públicas entre os 38 países-membros e países parceiros, como o Brasil.
Para a OCDE, a estabilidade das cadeias de fornecimento deve caminhar junto com a sustentabilidade. “Essa visão reforça a necessidade de uma mineração responsável, não apenas como uma exigência, mas também como uma oportunidade de desenvolvimento inclusivo e a longo prazo.”
Alternativas ao uso do mercúrio
Abrindo a segunda mesa, que debateu “Alternativas ao uso do mercúrio: para onde vamos?”, Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, criticou a obrigação legal de que todo o ouro que sai dos garimpos precisa ser vendido para Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, as DTVMs. Cinco delas dominam hoje o mercado brasileiro de ouro.
“Nos últimos anos essas instituições financeiras que tinham ou que tem autorização do Banco Central comercializaram e financiaram o ouro ilegal que circulou pelo Brasil e ganhou o exterior”, afirmou. “Quando a gente fala de lavagem de ouro, essas instituições sempre foram um ponto de lavanderia.”
A diretora do Escolhas defendeu a abertura de mercado, no qual uma indústria possa comprar diretamente de quem produz o ouro de forma responsável. “A gente não vai conseguir incentivar [as boas práticas] se a gente não tirar do meio do caminho as forças que até hoje só incentivaram o mercado ilegal.”
Larissa destacou ainda o fato de existirem hoje alternativas rentáveis ao mercúrio. “Muitas pessoas me perguntam: qual a alternativa ao mercúrio? Às vezes, a resposta não é tão complicada assim. Há algumas questões de tecnologia que às vezes são mais difíceis. Mas existem garimpos produzindo ouro sem mercúrio. Utiliza o quê no lugar? Nada. Utiliza água. A força mecânica da gravidade.”
Gilson Camboim, presidente na Federação das Cooperativas de Mineração do Estado de Mato Grosso, listou uma série de avanços tecnológicos que estão sendo desenvolvidos em centros de pesquisa e podem substituir o mercúrio – como o uso de nanopartículas de magnetita e o extrato das folhas do pau-de-balsa – e alguns que já estão sendo usados pelos garimpeiros – como o processo que une bombeamento de água e filtragem por meio de calhas.
Camboim destacou o papel do cooperativismo na busca de soluções que substituam o mercúrio. “O cooperativismo foi reconhecido pela ONU neste ano de 2025 como um mecanismo para o aprimoramento das atividades econômicas. Vamos lutar para conseguir chegar a este ponto, de eliminar o uso do mercúrio.”
Para Eduardo Gama, diretor de operação da startup Certimine, há muitos desafios para a substituição do mercúrio, um deles o fato de ser eficiente. “O mercúrio é muito tolerante e muito democrático. Aceita folha, areia. O que você alimentar, ele vai tirar ouro. O mesmo não pode ser dito sobre os outros métodos. Eu gosto de falar que o mercúrio é a força bruta, enquanto o resto é ajuste fino”.
Gama destacou a dificuldade de os pequenos mineradores irem para métodos mais sofisticados, pois não conseguem financiamento. “Eles ficam presos numa ratoeira, pois não conseguem migrar para outro regime. E precisam daquela atividade para sobreviver.”
Elena Crespo, professora titular da Universidade Federal do Pará e coordenadora do Instituto Amazônico do Mercúrio, lembrou que a Amazônia é responsável por 80% das emissões de mercúrio na América do Sul e a segunda região do mundo que mais emite a substância. E destacou que o ouro não fica na Amazônia. “Mas somos os primeiros a receber todas as consequências, as mais graves.” Entre elas, danos ao desenvolvimento das crianças, que passam a ter problemas de aprendizagem. “Falamos aqui de comprometimento das gerações futuras.”
Crespo disse acreditar que os garimpeiros da Amazônia querem mudar esse panorama. “Ninguém quer se expor ou expor sua família simplesmente por ganância”, afirmou a pesquisadora. “Dando oportunidade para eles, vão tornar esse quadro muito mais sustentável.”
Assista à integra do debate no canal do Correio Braziliense no YouTube.