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ANM integra iniciativa global inédita para transformar a mineração em pequena escala

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Na semana passada, em Paris, um marco profundo começou a se formar para o futuro da governança mineral global. A Agência Nacional de Mineração (ANM) foi convidada para a reunião preparatória para criação da Coalizão Global para Ação sobre a Mineração Artesanal e em Pequena Escala de Ouro (ASGM, na sigla em inglês), com a participação do diretor-geral Mauro Sousa. Pela primeira vez, governos nacionais, o Banco Mundial, o Conselho Mundial do Ouro (World Gold Council), o Fórum Intergovernamental sobre Mineração, Minerais, Metais e Desenvolvimento Sustentável (IGF), vinculado à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), empresas privadas e representantes da sociedade civil se unem em uma ação coordenada para enfrentar de forma sistêmica os desafios e oportunidades desse setor tão complexo.

A nova Coalizão foi concebida como uma estrutura intergovernamental multissetorial, com base técnica e articulação política. A ANM foi convidada a participar da criação do Conselho Diretor global que definirá as diretrizes e os critérios de adesão e atuação. A proposta é que países como o Brasil, possam integrar formalmente essa aliança, com o objetivo de elevar os padrões regulatórios e combater a fragmentação das normas internacionais sobre ouro, hoje aproveitada por redes criminosas e operações especulativas.

Milhões de pessoas no mundo dependam direta ou indiretamente da mineração artesanal e em pequena escala, muitas vezes em condições precárias, com riscos à saúde, ao meio ambiente e aos direitos humanos. Responsável por cerca de 20% do ouro produzido globalmente, a ASGM opera majoritariamente fora de marcos legais e regulatórios. Essa informalidade abre espaço para violações ambientais, uso extensivo de mercúrio, exploração de trabalhadores, evasão fiscal, e uma conexão crescente com o crime organizado e redes de lavagem de dinheiro.

“Não se trata apenas de regularizar o garimpo. Trata-se de construir caminhos para a dignidade, para a saúde pública e para a proteção da biodiversidade. O Brasil tem um papel decisivo nessa agenda e a ANM está pronta para contribuir com uma regulação técnica, equilibrada e integrada com outras áreas de governo”, afirmou Mauro Sousa, diretor-geral da ANM.

O que está em jogo

A ASGM é um setor que ao mesmo tempo em que é uma das últimas fronteiras de subsistência de milhares de famílias em territórios periféricos, também é um dos mais penetrados por redes de ilegalidade. Essa ambivalência exige um novo tipo de cooperação internacional, que articule regularização com desenvolvimento local, fiscalização com educação ambiental, e governança com inovação financeira.

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A Coalizão Global se inspira na Iniciativa de Parceria Multissetorial (MSPI), desenvolvida pelo Banco Mundial e pelo Conselho Mundial do Ouro. A proposta é promover ações piloto em países-chave, articular o financiamento internacional, fortalecer a rastreabilidade do ouro e integrar pequenas operações produtivas às cadeias globais legais, respeitando o meio ambiente e os direitos das comunidades.

Os riscos da ausência de regulação global

A disparada no preço internacional do ouro nos últimos anos tem estimulado uma corrida global pela extração informal. Em muitos países, inclusive o Brasil, redes criminosas passaram a se infiltrar nos territórios mineradores, promovendo grilagem de terras, trabalho análogo à escravidão e uso de mercúrio em larga escala. A ausência de padronização internacional no controle e precificação do ouro facilita o escoamento de ouro ilegal para mercados legais, dificultando a fiscalização e impulsionando a lavagem de dinheiro em escala global.

Segundo o Conselho Mundial do Ouro, mais de 80% da produção de ouro da ASGM no mundo não passa por canais formais. A entrada da ANM no debate internacional é uma oportunidade para propor soluções regulatórias que assegurem rastreabilidade, transparência e segurança jurídica para mineradores e compradores.

Um dos impactos positivos da coalizão será a redução do uso de mercúrio na mineração. A ASGM é responsável por boa parte das emissões globais desse metal tóxico. O mercúrio é utilizado de forma rudimentar para separar o ouro do cascalho e água, contaminando rios, peixes, trabalhadores e populações ribeirinhas.

A introdução de tecnologias limpas, o acesso a financiamento e a assistência técnica para mineradores formais permitirão avançar no cumprimento da Convenção de Minamata e gerar um ciclo virtuoso de saúde e sustentação ambiental nos territórios mineradores.

Benefícios ambientais e à saúde

Nos últimos anos, o Brasil tem adotado uma série de medidas regulatórias para enfrentar a mineração ilegal e tornar mais rígido o controle da cadeia do ouro. A crise humanitária Yanomami impulsionou uma resposta institucional coordenada, incluindo a exigência de Nota Fiscal Eletrônica para transações com ouro e o fim da presunção de boa-fé na comprovação da origem do metal, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal.

A ANM, em conjunto com o Banco Central, estabeleceu normas de controle financeiro e publicou a Resolução nº 129/2023, que obriga o setor a adotar políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FTP). A Receita Federal intensificou a fiscalização no aeroporto de Guarulhos, resultando na retenção de cargas de ouro de Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) sem comprovação adequada de origem.

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Essas ações integradas também têm repercussão nas estatísticas oficiais: segundo o Instituto Escolhas, a produção declarada de ouro caiu 84% após o início das medidas. A alta cotação internacional do ouro (acima de US$ 3.500 a onça) segue alimentando a produção clandestina, com estimativas de que 80% do ouro atualmente comercializado no país esteja fora do controle estatal.

Investigações apontam ainda a infiltração do crime organizado no setor. O chamado “narco garimpo”, com atuação de facções como o PCC, utiliza o ouro como moeda de troca por armas e drogas, desviando o metal por rotas ilegais, sem recolhimento de tributos como a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e Imposto de Renda (IR).

Para retomar o controle do mercado formal, cooperativas e instituições financeiras defendem a criação de um sistema estatal de rastreabilidade, que possibilite a conquista da credibilidade internacional, aumente a eficiência da fiscalização e promova a sustentabilidade da cadeia produtiva.

Algumas recomendações da Agencia são a formalização da mineração artesanal e de pequena escala, implementação obrigatória de mecanismos robustos de rastreabilidade. Além do fortalecimento de políticas socioambientais voltadas à redução do uso de mercúrio e à adoção de práticas responsáveis. O desafio é garantir que a transição para a formalidade seja viável, desburocratizada e sensível às especificidades culturais e sociais dos territórios onde está o garimpo.

Papel do Brasil

Como maior economia da América Latina e país com vastas áreas de mineração informal, o Brasil é visto como um país-chave para o sucesso da Coalizão Global. A participação ativa da ANM, com suporte do governo federal, é essencial para estruturar uma Coalizão Nacional que possa servir de modelo a outros países do Sul Global.

“A coalizão é uma oportunidade histórica para o Brasil liderar um novo paradigma para a pequena mineração: produtiva, formalizada, com respeito ao meio ambiente e às comunidades. A ANM está comprometida em colocar seu conhecimento técnico a serviço dessa transformação”, destaca Mauro.

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Especialistas debatem proibição do mercúrio na extração de ouro

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Foto: Ton Molina

Vários setores econômicos já abandonaram o uso do mercúrio devido a seu impacto na saúde das pessoas e no meio ambiente. Mas o metal continua a ser largamente utilizado na extração de ouro, especialmente na Amazônia. Apenas entre 2018 e 2022, 185 toneladas de mercúrio de origem desconhecida podem ter sido utilizadas nos garimpos do país.

Em debate realizado nesta terça-feira (7) pelo jornal Correio Braziliense em parceria com o Instituto Escolhas, representantes do poder público, empresários e pesquisadores concordaram sobre a necessidade de pôr fim ao uso de mercúrio nos garimpos, mas divergiram sobre o que precisa ser feito até sua erradicação e sobre a conveniência de uma proibição imediata.

Ao abrir o evento, Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, destacou a importância de a discussão da erradicação do mercúrio e de alternativas viáveis economicamente a esse insumo da mineração acontecer às vésperas da COP30, que será realizada em novembro na cidade  de Belém (PA).

Primeiro convidado a falar, Eloy Terena, secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), afirmou que o garimpo ilegal está presente em 26 Terras Indígenas, de forma mais intensa e preocupante em quatro delas: Kayapó, Munduruku, Yanomami e Sararé. “O garimpo é vetor de violência, desmatamento, contaminação das águas e desestruturação social.”

Jair Schmitt, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, responsável pelas ações de fiscalização do órgão, listou as iniciativas tomadas pelo instituto no atual governo e usou uma imagem forte para falar da “explosão do garimpo ilegal na Amazônia” de 2017 a 2023. “Quando a gente olha as imagens dos satélites, o que a gente está vendo ali é a proliferação de um grande câncer”, afirmou.

 

Controles sobre o uso do mercúrio

Depois das falas inaugurais de Terena e Schmitt, teve início a primeira mesa do debate, que discutiu “Controles sobre o uso do mercúrio: desafios e perspectivas”. Renato Madsen Arruda, diretor substituto da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, afirmou que a PF tem como objetivo principal, ao lado de outros órgãos da administração pública, atacar o crime organizado que cerca a atividade da mineração ilegal.

“Não é aquele garimpeiro, aquele trabalhador braçal que está ali nos rincões da Amazônia que está acumulando essa riqueza. Há outros atores que estão acumulando essa riqueza e financiando a atividade. A estratégia da Polícia Federal tem sido principalmente descapitalizar esses atores que circundam a atividade da mineração ilegal e que enriquecem em prejuízo do meio ambiente e das comunidades que vivem na região amazônica”, disse Arruda.

O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), autor de um projeto de lei que proíbe o uso do mercúrio em atividades de mineração, lembrou que durante os governos Michel Temer (2016 a 2018) e Jair Bolsonaro (2019 a 2022) a “atividade minerária ilegal explodiu de forma extraordinária”. E lamentou a força política de parlamentares que buscam flexibilizar a legislação do setor. “Há um lobby muito forte da mineração dentro do Congresso que, por vezes, trabalha de forma conjunta com o lobby da mineração ilegal”, disse.

Diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues destacou que o uso do mercúrio na mineração já é altamente regulado, citando a necessidade de licenciamento ambiental e de autorização, pelo Ibama, de sua importação – o Brasil não produz mercúrio. “O que a gente podia fazer em termos de regulação para tentar diminuir a periculosidade do uso dessa substância já foi feito.”

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Apesar disso, os resultados positivos não apareceram e é hora de “mudar a chave”. “Esse esforço que a gente precisa fazer para usar o mercúrio numa condição um pouco mais segura é tão grande que eu acho que a gente poderia pegar esse mesmo esforço e colocar nas alternativas”, disse. E a melhor alternativa é a “erradicação”, declarou.

“Acho que, de fato, a gente precisa caminhar em direção à proibição total do mercúrio na extração de ouro, como a gente fez em outros segmentos.” A pesquisadora parabenizou Nilto Tatto, a seu lado na mesa, por apresentar o projeto que proíbe o uso do mercúrio.

O último a falar na primeira mesa, Giorgio de Tomi, professor titular da Escola Politécnica da USP e Coordenador Técnico do Projeto Ouro Sem Mercúrio, defendeu a importância do Estado na mudança da realidade do garimpeiro que atua de forma ilegal. “Existe a vontade dos garimpeiros de mudar e evoluir”, afirmou. “Mas eles precisam de ajuda.”

“Hoje eles trabalham em regiões remotas, sem apoio nenhum. A única presença do Estado, quando tem, é na hora de reprimir, fiscalizar”. Para De Tomi, os que usam mercúrio no garimpo ilegal “precisam de apoio técnico, econômico e de Estado para facilitar essa transição”.

Três convidados falaram entre as duas mesas do debate. Julevânia Olegário, diretora do Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração (DDSM) do Ministério de Minas e Energia (MME), defendeu a eliminação do mercúrio nos garimpos, mas disse ser importante que o Estado brasileiro ajude a capacitar as pessoas envolvidas na extração de ouro, já que a “atividade é feita, na maioria das vezes, por comunidades tradicionais e vulneráveis”. Afirmou que é preciso fomentar alternativas ao mercúrio que sejam “economicamente viáveis”.

Diretora do Departamento de Qualidade Ambiental do Ministério de Meio Ambiente, Thaianne Resende alertou para o impacto do mercúrio na saúde e no meio ambiente. “O mercúrio é silencioso, invisível, mas deixa marcas profundas na saúde, na água e na floresta”, afirmou.

Miguel Castro, ponto focal regional para Latam e Caribe do Centro CER da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), destacou a preocupação da organização em estabelecer padrões elevados de políticas públicas entre os 38 países-membros e países parceiros, como o Brasil.

Para a OCDE, a estabilidade das cadeias de fornecimento deve caminhar junto com a sustentabilidade. “Essa visão reforça a necessidade de uma mineração responsável, não apenas como uma exigência, mas também como uma oportunidade de desenvolvimento inclusivo e a longo prazo.”

 

Alternativas ao uso do mercúrio

Abrindo a segunda mesa, que debateu “Alternativas ao uso do mercúrio: para onde vamos?”, Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, criticou a obrigação legal de que todo o ouro que sai dos garimpos precisa ser vendido para Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, as DTVMs. Cinco delas dominam hoje o mercado brasileiro de ouro.

“Nos últimos anos essas instituições financeiras que tinham ou que tem autorização do Banco Central comercializaram e financiaram o ouro ilegal que circulou pelo Brasil e ganhou o exterior”, afirmou. “Quando a gente fala de lavagem de ouro, essas instituições sempre foram um ponto de lavanderia.”

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A diretora do Escolhas defendeu a abertura de mercado, no qual uma indústria possa comprar diretamente de quem produz o ouro de forma responsável. “A gente não vai conseguir incentivar [as boas práticas] se a gente não tirar do meio do caminho as forças que até hoje só incentivaram o mercado ilegal.”

Larissa destacou ainda o fato de existirem hoje alternativas rentáveis ao mercúrio. “Muitas pessoas me perguntam: qual a alternativa ao mercúrio? Às vezes, a resposta não é tão complicada assim. Há algumas questões de tecnologia que às vezes são mais difíceis. Mas existem garimpos produzindo ouro sem mercúrio. Utiliza o quê no lugar? Nada. Utiliza água. A força mecânica da gravidade.”

Gilson Camboim, presidente na Federação das Cooperativas de Mineração do Estado de Mato Grosso, listou uma série de avanços tecnológicos que estão sendo desenvolvidos em centros de pesquisa e podem substituir o mercúrio – como o uso de nanopartículas de magnetita e o extrato das folhas do pau-de-balsa – e alguns que já estão sendo usados pelos garimpeiros – como o processo que une bombeamento de água e filtragem por meio de calhas.

Camboim destacou o papel do cooperativismo na busca de soluções que substituam o mercúrio. “O cooperativismo foi reconhecido pela ONU neste ano de 2025 como um mecanismo para o aprimoramento das atividades econômicas. Vamos lutar para conseguir chegar a este ponto, de eliminar o uso do mercúrio.”

Para Eduardo Gama, diretor de operação da startup Certimine, há muitos desafios para a substituição do mercúrio, um deles o fato de ser eficiente. “O mercúrio é muito tolerante e muito democrático. Aceita folha, areia. O que você alimentar, ele vai tirar ouro. O mesmo não pode ser dito sobre os outros métodos. Eu gosto de falar que o mercúrio é a força bruta, enquanto o resto é ajuste fino”.

Gama destacou a dificuldade de os pequenos mineradores irem para métodos mais sofisticados, pois não conseguem financiamento. “Eles ficam presos numa ratoeira, pois não conseguem migrar para outro regime. E precisam daquela atividade para sobreviver.”

Elena Crespo, professora titular da Universidade Federal do Pará e coordenadora do Instituto Amazônico do Mercúrio, lembrou que a Amazônia é responsável por 80% das emissões de mercúrio na América do Sul e a segunda região do mundo que mais emite a substância.  E destacou que o ouro não fica na Amazônia. “Mas somos os primeiros a receber todas as consequências, as mais graves.” Entre elas, danos ao desenvolvimento das crianças, que passam a ter problemas de aprendizagem. “Falamos aqui de comprometimento das gerações futuras.”

Crespo disse acreditar que os garimpeiros da Amazônia querem mudar esse panorama. “Ninguém quer se expor ou expor sua família simplesmente por ganância”, afirmou a pesquisadora. “Dando oportunidade para eles, vão tornar esse quadro muito mais sustentável.”

Assista à integra do debate no canal do Correio Braziliense no YouTube.

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