Por Pamela Cigerza Alegria, advogada especializada em Direito Minerário e Ambiental
Uma sexta-feira treze traz preocupações para o setor mineral brasileiro, gerando inseguranças, e uma sensação nada auspiciosa para a mineração de média e pequena escala.
A recente edição da Resolução nº 208/2025 pela Agência Nacional de Mineração (ANM) trouxe à tona uma grave preocupação jurídica e social: a drástica redução do limite de área para Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), que passa a limitar para 50 hectares globais por pessoa física ou firma individual, e de 1.000 hectares globais para cooperativas. A medida, embora apresentada como um mecanismo de “controle” e “eficiência regulatória”, configura, em minha opinião, um retrocesso normativo com fortes indícios de inconstitucionalidade.
O regime de PLG é regulamentado pela Lei nº 7.805/1989, que estabelece claramente os limites máximos de área. Ao restringir esses limites por meio de resolução, a ANM ultrapassa sua função regulamentar e invade competência legislativa, violando o princípio da legalidade estrita (art. 5º, II, da Constituição). Não se pode admitir que uma agência reguladora, ainda que com papel técnico relevante, edite norma infralegal para restringir direitos garantidos em lei. A Lei nº 7.805/1989, em seu art. 2º, define o limite máximo de 50 hectares para cada permissão de lavra garimpeira. A Resolução 208/2025, ao restringir esse limite estipulando de forma global para 50 hectares, inova o ordenamento jurídico de forma questionável. A ANM, como autarquia reguladora, possui competência para normatizar a execução da legislação mineral, mas não para alterar limites legais.
Além disso, a ausência de consulta pública ampla, de diálogo com cooperativas e mineradores, e de qualquer estudo de impacto socioeconômico revela a falta de proporcionalidade da medida. Em Estados como Mato Grosso — onde a PLG é não só uma atividade econômica, mas também um instrumento de inclusão social — a nova regra ameaça a subsistência de milhares de famílias, principalmente nas regiões de Juína, Aripuanã, Nossa Senhora do Livramento, Peixoto de Azevedo e Poconé.
A redução de área dificulta a viabilidade econômica de operações garimpeiras legalizadas, compromete cooperativas estruturadas e pode incentivar o retorno à informalidade. Pequenos garimpos, que já operam com margens reduzidas, serão diretamente afetados, enquanto grandes estruturas podem se beneficiar da exclusão dos menores concorrentes.
Curiosamente, os impactos dessa resolução parecem afetar apenas os pequenos e médios agentes. Grandes estruturas empresariais, com capacidade técnica e financeira para migrar para regimes mais complexos de lavra, seguirão operando sem grandes restrições. Na prática, temos uma medida que favorece a concentração de atividade mineral, enfraquecendo a atuação das cooperativas e dos garimpeiros independentes. O que limita o exercício da profissão do garimpeiro conforme seu estatuto próprio.
O caminho jurídico mais adequado, a meu ver, é o ajuizamento de ações coletivas por parte de associações representativas do setor, visando à suspensão dos dispositivos da Resolução nº 208/2025 que reduzam o limite de área. Também é urgente a abertura de um processo de revisão participativa na ANM, com o envolvimento de Estados mineradores, universidades, cooperativas e órgãos de fiscalização ambiental.
A mineração artesanal e de pequena escala no Brasil precisa de regulação, sim, mas nunca à custa da legalidade e da função social do direito. O que se espera de uma agência técnica como a ANM é a construção de normas justas, seguras e dialogadas — não medidas autoritárias que criam insegurança jurídica e institucional.
Pamela Cigerza Alegria
Advogada, especialista em Direito Minerário. Atua na defesa da mineração brasileira, incluindo cooperativas e pequenos, médios e grandes mineradores.
Sócia do Escritório Ferreira Alegria Advogados Associados.