CUIABÁ
Search
Close this search box.

Notícias

O que fazer com os rejeitos gerados pela exploração mineral

Publicado em

Dois monumentais vazamentos de resíduos de mineração no estado de Minas Gerais – um de 34 milhões de metros cúbicos (m³) de uma barragem da Samarco em Mariana, em 2015, e outro de 12 milhões de m3 da Vale em Brumadinho, em 2019 – obrigaram mineradoras e motivaram startups e universidades a acelerar a procura por novos usos e destinações dos rejeitos da extração, principalmente de minério de ferro. Anos depois, resultados, ainda tímidos, começam a aparecer na forma de telhas, tijolos, pavimentos, madeira plástica e fertilizantes para agricultura produzidos à base de rejeitos minerais.

A busca por alternativas foi impulsionada pela aprovação de uma lei federal, de nº 14.066, em 2020, que proíbe a instalação de barragens de rejeitos a montante, como as que se romperam em Mariana e Brumadinho. Erguida com diques de contenção apoiados em camadas sobrepostas de resíduos, esse tipo de barragem é mais simples e de menor custo, mas também mais vulnerável a rupturas.

Para o engenheiro de produção Bruno Milanez, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), uma possibilidade é usar esse material para cobrir as cavidades formadas pela mineração, o chamado backfilling. “Trata-se de um método mais sofisticado e de custo mais alto que as barragens de contenção de rejeitos, mas traz maior segurança e aumenta a possibilidade de recuperação da área explorada”, comenta.

A técnica foi adotada a partir do final dos anos 1990 na exploração de prata, chumbo, ferro, carvão, ouro, zinco e cobre em países como Austrália, China, Estados Unidos e Canadá. Sua grande vantagem é prover mais estabilidade a minas subterrâneas. A desvantagem é que, se não for bem-feita, pode contaminar reservatórios de água no subsolo. E precisa ser bem planejada para não atrasar a mineração.

Outro método já em uso é o empilhamento a seco dos resíduos, após retirada da umidade. Antes de adotá-lo, a mineradora deve elaborar um projeto técnico que leve em conta a topografia do terreno, a capacidade de armazenamento e a segurança do ambiente. Embora mais segura do que as barragens de rejeitos, explica Milanez, a técnica não é isenta de risco. “Em janeiro de 2022, uma pilha desse tipo da mineradora Vallourec desabou dentro de um dique de contenção de água localizado perto dela. A água transbordou, invadiu e interditou por dois dias a rodovia BR-‑040, que liga Minas Gerais ao Rio de Janeiro”, relata o especialista.

40% da produção

O Brasil é o segundo maior fornecedor mundial de minério de ferro, com uma produção bruta anual de quase 600 milhões de toneladas (t), dos quais 430 milhões de t foram beneficiados, segundo o Anuário Mineral Brasileiro, de 2022. Beneficiamento é a etapa de remoção de impurezas e de concentração do teor de ferro no minério.

Do peso total de minério beneficiado, os rejeitos – essencialmente areia, óxidos e hidróxidos de ferro não retidos nessa etapa – podem representar uma proporção variável de até 40%, de acordo com a qualidade da matéria-prima e a eficiência do processo de beneficiamento. O Brasil gera por ano entre 86 milhões e 172 milhões de t de rejeitos da produção de ferro.

Maior mineradora do país, a Vale foi responsável pela produção de 321,2 milhões de t de minério de ferro em 2023, sendo que o volume de rejeitos atingiu 48,6 milhões de t, o equivalente a 15% do total. “Desde 2014, investimos em pesquisa no Brasil para encontrar soluções para o reaproveitamento da areia proveniente do processamento do minério de ferro com o objetivo de reduzir a geração de rejeitos”, informa Tatiana Teixeira, gerente de Novos Negócios da empresa.

Leia Também:  Plano nacional quer reduzir o uso de mercúrio na extração do ouro

Em 2020, a mineradora inaugurou uma fábrica de blocos que utiliza como matéria-prima a areia gerada no processo de extração. “Desde 2021, foi destinado ao setor da construção civil e a projetos de pavimentação rodoviária cerca de 1,9 milhão de toneladas do produto”, diz Teixeira. No ano passado, a Vale criou uma empresa, batizada de Agera, para comercializar e distribuir a areia, chamada pela empresa de sustentável.

A mineradora investiu US$ 24 milhões nos últimos 10 anos em pesquisa e desenvolvimento de soluções para reaproveitamento de rejeitos de minério de ferro. Entre 2019 e 2021, ela destinou US$ 1,2 bilhão a sistemas de filtragem e empilhamento a seco. Em 2023, as receitas líquidas da empresa somaram US$ 41,78 bilhões.

A Samarco gerou cerca de 20 milhões de t de rejeitos no ano passado. Segundo o especialista em inovação da Samarco Marcos Gomes Vieira, desde dezembro de 2020 a empresa investe em tecnologias para uma mineração mais segura e que agrida menos o ambiente. “Temos sistemas de filtragem que permitem o empilhamento a seco de até 80% dos rejeitos”, afirma. A mineradora também tem desenvolvido projetos para o futuro próximo, entre eles um que busca o emprego de parcela do rejeito arenoso como insumo para fabricação de concreto.

Nova tecnologias no mercado

Apesar das possibilidades de aproveitamento, no Brasil, bem como em outros países, uma parcela ínfima dos rejeitos de mineração está se transformando efetivamente em produto. “A partir das pesquisas feitas nos últimos anos, temos tentado levar novas tecnologias [que utilizam rejeitos de mineração] ao mercado”, conta o químico Rochel Montero Lago, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para a Valoração de Resíduos e Materiais Renováveis (Midas), criado em 2017.

No ano seguinte, a fim de conectar o conhecimento acadêmico às empresas, a UFMG e o Centro de Inovação e Tecnologia do Serviço Nacional da Indústria (Senai) de Belo Horizonte criaram, com apoio financeiro do INCT Midas, o Centro de Escalonamento de Tecnologias e Modelagem de Negócios (Escalab), também sob coordenação de Lago.

Uma das iniciativas nessa área é conduzida pela empresa mineira Geeco Materiais e Engenharia, criada em 2019. “Tivemos apoio da universidade e de vários professores durante o processo de desenvolvimento”, conta a química Caroline Prates, atual diretora de Tecnologia do empreendimento.

O projeto da Geeco – a produção e instalação experimental de blocos e revestimentos com rejeitos – foi um dos destaques do e-book Práticas em circularidade no setor mineral, uma coletânea de projetos apoiados pelas mineradoras publicada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), em 2022. Nesse mesmo ano, a startup foi selecionada para participar do Mining Hub, programa de inovação aberta criado pelo Ibram e pelas mineradoras em 2019, que reúne grandes empresas do setor, companhias fornecedoras e startups.

Sediada em Pedro Leopoldo (MG), a Geeco faz projetos com mineradoras e construtoras para reaproveitamento de resíduos, transformados em materiais chamados geopolímeros. Uma de suas aplicações é substituir em até 100% o cimento comum portland, com redução da emissão de gás carbônico em comparação com o cimento tradicional.

Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), a equipe liderada pelo engenheiro-agrônomo Tiago Osório Ferreira pesquisa potenciais usos dos rejeitos de mineração na agricultura. Um de seus projetos avalia a utilização de resíduos de mineração de ferro como matéria-prima para elaboração de condicionadores de solos, também chamados de soil amendments. Diferentemente dos corretivos, os condicionadores não visam apenas o fornecimento de nutrientes, mas melhoram a capacidade do solo de reter água, matéria orgânica e nutrientes, facilitando o crescimento das plantas.

Leia Também:  Mineração no contexto da reforma tributária é tema de debate na Comissão de Minas e Energia

Quando contaminados, os rejeitos de mineração podem ser um risco para o ambiente. Em busca de formas para remediar a contaminação do rio Doce decorrente da liberação de rejeitos após o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, uma integrante do grupo da Esalq, a engenheira-agrônoma Amanda Duim Ferreira, em sua pesquisa de doutorado, concluída em 2024, verificou que a planta taboa (Typha domingensis) colonizou parte da região e tem potencial para descontaminação do solo, como detalhado em artigos publicados na Journal of Hazardous Materials em abril de 2022 e na Journal of Cleaner Production, em setembro de 2022. Com base nos resultados, o grupo da Esalq cultivou a taboa sobre rejeitos de mineração e verificou um aumento na remoção de ferro.

Apesar das possibilidades de aproveitamento, uma parcela ínfima de rejeitos está se transformando em produto

Graduado em direito, Ottavio Carmignano, sócio da mineradora Pedras Congonhas, de Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, encontrou 95 patentes relacionadas ao aproveitamento de rejeitos de minério de ferro, depositadas no Brasil e em países com tradição em mineração, como detalhado em um artigo de outubro de 2021 na revista científica Journal of the Brazilian Chemical Society. “A maioria dos projetos está em fase preliminar, em escala de laboratório”, observa. Um dos gargalos, lembra Carmignano, é o logístico: a distância entre as minas e os mercados consumidores poderia encarecer os produtos feitos à base de rejeitos.

Outro é o preço. “A madeira plástica, feita com rejeitos de barragens, que estudei no meu doutorado sobre inovação tecnológica, pode durar até 100 vezes mais que a madeira comum. No entanto, como é 10 vezes mais cara, por causa do processo de produção, o mercado não aceita, pois está sempre procurando o menor preço.”

Milanez, da UFJF, reconhece a importância de iniciativas que buscam transformar rejeitos minerais em produtos. O engenheiro pondera que, como os novos produtos não serão suficientes para absorver a enorme quantidade de resíduos produzidos e já estocados nas barragens, ainda é necessário produzir menos resíduos e tornar mais seguro o material que não será transformado em outros produtos.

A reportagem acima foi publicada com o título “O desafio dos rejeitos” na edição impressa nº 339, de maio de 2024.

 

Projetos
1. Rejeitos de mineração de ferro para elaboração de soil amendments e smart-C soils: Agricultura inteligente no combate às mudanças climáticas e à degradação de solos (nº 23/02429-6); Modalidade Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais; Pesquisador responsável Tiago Osório Ferreira (USP); Investimento R$ 472.168,02.
2. Plantas estuarinas e seu controle na biogeoquímica de metais em solos impactados pelo “desastre de Mariana” (nº 19/14800-5); Modalidade Bolsa de Doutorado; Pesquisador responsável Tiago Osório Ferreira (USP); Beneficiária Amanda Duim Ferreira; Investimento R$ 342.424,08.
3. “Desastre de Mariana”: Diagnóstico de contaminação, estratégias de remediação e reaproveitamento de rejeitos de minério de ferro (nº 22/12966-6); Modalidade Auxílio Regular à Pesquisa; Pesquisador responsável Tiago Osório Ferreira (USP); Investimento R$ 256.154,71.

COMENTE ABAIXO:
Advertisement

Notícias

Investimentos em minerais críticos no Brasil estão decolando, diz presidente do Ibram

Published

on

RIO DE JANEIRO (Reuters) -Os investimentos em projetos de minerais críticos e estratégicos no Brasil “estão decolando” e devem atingir US$18,45 bilhões até 2029, afirmou o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, nesta terça-feira.

A projeção representa uma alta de cerca de 3,5% em comparação com o valor previsto para o período de 2024 e 2028, de US$17,85 bilhões, e ainda 27% do total de investimentos em projetos de mineração no Brasil ao longo do período, de aproximadamente US$68,4 bilhões, segundo os dados do Ibram.

Dentre os elementos previstos em minerais críticos, as terras raras ganharam destaque recentemente no noticiário internacional depois que a China, que atualmente domina amplamente a produção desses minerais, restringiu o acesso à sua oferta de produtos de terras raras em meio a uma guerra comercial com os Estados Unidos.

No caso de projetos para terras raras no Brasil, o Ibram prevê investimentos de US$2,17 bilhões entre 2025 e 2029, com um aumento de cerca de 49% ante o período de 2024 a 2028.

O Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras globais, atrás apenas da China, mas com poucos projetos em desenvolvimento.

Leia Também:  Evento em SP reúne empresários do ramo de diamantes e joias brasileiros e internacionais

“Com relação à questão dos investimentos em minerais críticos estratégicos, eu não tenho a menor sombra de dúvida de que isso está decolando e vai decolar muito mais”, disse Jungmann em entrevista coletiva sobre os dados do setor de mineração no terceiro trimestre.

ungmann ressaltou que os minerais críticos incluem diversos fins, como segurança alimentar — quando se fala de potássio, fosfato e nitrogenado — ou para fabricação de equipamentos de alta tecnologia, como baterias, geradores eólicos e aplicações militares, quando se fala de minerais de terras raras, por exemplo.

A produção de baterias, considerada importante para iniciativas de eletrificação do transporte em meio à transição energética, tem impulsionado também a expectativa de demanda para minerais como lítio, níquel e nióbio, dentre outros.

“Não há possibilidade de que nós, como é o nosso sonho, como é o nosso desejo e, aliás, como é a nossa necessidade, sairmos de uma economia de base fóssil para uma economia renovável sem os minerais críticos e estratégicos”, disse Jungmann.

Leia Também:  Fênix é a única DTVM brasileira convidada para a COP 28 que acontece em Dubai

O presidente do Ibram mencionou que tem recebido diversas representações do exterior, incluindo países como Austrália, Estados Unidos e China, para falar sobre os minerais estratégicos no país.

Ele também ressaltou que o Brasil está negociando com os Estados Unidos a retirada de taxas impostas aos produtos brasileiros e que, “evidentemente”, a questão dos minerais críticos será um dos eixos das discussões, sem entrar em detalhes sobre o que pode ser proposto.

Nessa linha, Jungmann ressaltou que o governo brasileiro avançou ao criar na semana passada o Conselho Nacional de Política Mineral, que visa analisar e propor políticas públicas para o desenvolvimento da cadeia produtiva de minerais críticos e estratégicos no país.

Dentre as iniciativas, o governo planeja instituir garantias financeiras para o financiamento de projetos minerais e incentivos fiscais para etapas de transformação e industrialização.

“As garantias são fundamentais para poder assegurar empréstimos”, disse Jungmann. “Nós não vamos adiante se não tivermos mecanismos de financiamento e mecanismos sobretudo voltados para garantias. Isso é absolutamente crucial e essencial para ser visto.”

COMENTE ABAIXO:
Continue Reading

MAIS LIDAS DA SEMANA