ENTREVISTA DA SEMANA
Taxa da Mineração passa a valer em Mato Grosso e federação prevê redução de investimentos no setor

Aprovada na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) em dezembro de 2022, a taxação da mineração passou a valer desde o início de abril de 2023. Agora, todos os minerais extraídos em Mato Grosso, do ouro a areia, sofrem uma cobrança que será revertida majoritariamente para o Estado, mas também aos municípios onde estão concentradas essas atividades.
A cobrança preocupa empresários e entidades ligadas ao setor. O presidente da Federação das Cooperativas de Mineração do Estado de Mato Grosso (Fecomin), Gilson Camboim, prevê uma diminuição de investimentos no setor devido à desproporcionalidade da cobrança.
A taxa é flutuante e, ao invés de ser vinculada ao preço do mineral, está atrelada a Unidade Padrão Fiscal. O resultado é um aumento no valor da taxa enquanto o preço dos minerais caem, ou vice-versa.
Confira a entrevista completa concedida ao Leiagora.
Leiagora – Já é válida a taxação da mineração em Mato Grosso?
Gilson Camboim – Ela começou a valer agora, no início de abril. Saiu recentemente a resolução e, então, já está em vigor a cobrança sobre diversos minérios.
Leiagora – Como isso vai impactar, na prática, o setor?
Gilson Camboim – Eu acredito que será um impacto pesado pelo valor inicial que essa taxa já entra no cenário. A taxa não acompanha o preço de commodities. Ela é vinculada à UPF. E é um preço que está crescendo mês a mês. E ela está acima, mais cara que o IOF. Ficou uma despesa bem onerosa para o setor.
Leiagora – Como ser vinculada a Unidade Padrão Fiscal faz a taxa ficar desproporcional?
Gilson Camboim – Quando essa taxa começou a ser discutida lá em janeiro, ela impactava no preço do ouro 1,06%. O preço do ouro estaria mais ou menos na faixa dos R$ 313,50 e a UPF estava em R$ 221,79.
Em fevereiro, a UPF subiu para R$ 227,13 e o preço do ouro veio para R$ 319,08. Ou seja, a taxa que era R$ 3,33 passou para 3,35. Agora em março a UPF está em R$ 224,35 e o ouro está R$ 303,02.
E vale lembrar que o garimpeiro nunca pega o valor da bolsa, sempre tem um deságio de aproximadamente 10% do preço da bolsa.
Leiagora – Este é o maior problema da taxa?
Gilson Camboim – O maior problema é que é uma taxação com viés de arrecadação, não viés de fiscalização. Pesou o setor. Tínhamos um diálogo com o Estado para começar, neste primeiro ano, com uma taxa que acompanhasse o valor dos outros estados. A partir dos anos seguintes, haveria uma discussão dessa taxa, ver o que é relevante de fato, para que chegasse a um valor bom para ambos os lados.
Leiagora – A taxa de Mato Grosso é a mais cara do Brasil?
Gilson Camboim – Sim. A taxa de Mato Grosso tem o viés arrecadatório, enquanto a dos outros é uma taxação fiscalizatória. Tem algumas commodities minerais nossas em que a taxa de Mato Grosso passa de 1.000% em relação aos outros estados. A do ouro mesmo, por exemplo, é muito significativa, porque é baseada em grama e com um percentual muito elevado.
Leiagora – O cidadão que trabalha com joalheria, que compra ouro em MT, vai sentir essa taxa então?
Gilson Camboim – Vai sentir significativamente. E além da parte da comercialização, alguns empreendimentos podem não atingir viabilidade. Vários projetos em andamento devem entrar em stand by para ter uma análise se valerão a pena ou não. Porque empreendimentos que estão sendo instalados nos estados e, de repente, veem uma taxação nascendo da noite para o dia… assustam. E não adianta falar que não é tão alta. É elevadíssima para o setor.
Para qualquer empreendimento, ela impacta muito. Por exemplo, a produção do ouro, 50% dela é feita por atividade garimpeira, que na maioria dos casos é acompanhada e desenvolvida por meio de cooperativas, terá um impacto que deve passar de R$ 20 milhões.
O desafio também é entender onde vai ser aplicada essa taxa. O setor vai ser pouco beneficiado, diferente do Fethab, por exemplo, no qual o produtor paga, mas vê o dinheiro ser aplicado em estrutura de estradas, essa taxa não mostra o objetivo, o propósito. ‘Ah, vai ser aplicada em fiscalização’… então, mostra a planilha de planejamento de como a fiscalização precisa desse recurso que está sendo estimado.
Leiagora – Gilson, você teme que a taxação possa causar uma evasão mineral?
Gilson Camboim – Eu não descarto a possibilidade de ocorrer uma evasão mineral. Mas acredito que o impacto vai ser de áreas que estão requeridas, prontas para entrar em atividade, o pessoal possa decidir investir em outros lugares e deixar aqui em segundo plano.
Não posso falar sobre produzirem aqui e levarem para esquentar em outros estados, mas posso falar sobre deixarem de produzir aqui para irem produzir em outros estados.
Notícias
Especialistas debatem proibição do mercúrio na extração de ouro
Published
2 semanas atráson
11 de outubro de 2025
Vários setores econômicos já abandonaram o uso do mercúrio devido a seu impacto na saúde das pessoas e no meio ambiente. Mas o metal continua a ser largamente utilizado na extração de ouro, especialmente na Amazônia. Apenas entre 2018 e 2022, 185 toneladas de mercúrio de origem desconhecida podem ter sido utilizadas nos garimpos do país.
Em debate realizado nesta terça-feira (7) pelo jornal Correio Braziliense em parceria com o Instituto Escolhas, representantes do poder público, empresários e pesquisadores concordaram sobre a necessidade de pôr fim ao uso de mercúrio nos garimpos, mas divergiram sobre o que precisa ser feito até sua erradicação e sobre a conveniência de uma proibição imediata.
Ao abrir o evento, Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, destacou a importância de a discussão da erradicação do mercúrio e de alternativas viáveis economicamente a esse insumo da mineração acontecer às vésperas da COP30, que será realizada em novembro na cidade de Belém (PA).
Primeiro convidado a falar, Eloy Terena, secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), afirmou que o garimpo ilegal está presente em 26 Terras Indígenas, de forma mais intensa e preocupante em quatro delas: Kayapó, Munduruku, Yanomami e Sararé. “O garimpo é vetor de violência, desmatamento, contaminação das águas e desestruturação social.”
Jair Schmitt, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, responsável pelas ações de fiscalização do órgão, listou as iniciativas tomadas pelo instituto no atual governo e usou uma imagem forte para falar da “explosão do garimpo ilegal na Amazônia” de 2017 a 2023. “Quando a gente olha as imagens dos satélites, o que a gente está vendo ali é a proliferação de um grande câncer”, afirmou.
Controles sobre o uso do mercúrio
Depois das falas inaugurais de Terena e Schmitt, teve início a primeira mesa do debate, que discutiu “Controles sobre o uso do mercúrio: desafios e perspectivas”. Renato Madsen Arruda, diretor substituto da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, afirmou que a PF tem como objetivo principal, ao lado de outros órgãos da administração pública, atacar o crime organizado que cerca a atividade da mineração ilegal.
“Não é aquele garimpeiro, aquele trabalhador braçal que está ali nos rincões da Amazônia que está acumulando essa riqueza. Há outros atores que estão acumulando essa riqueza e financiando a atividade. A estratégia da Polícia Federal tem sido principalmente descapitalizar esses atores que circundam a atividade da mineração ilegal e que enriquecem em prejuízo do meio ambiente e das comunidades que vivem na região amazônica”, disse Arruda.
O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), autor de um projeto de lei que proíbe o uso do mercúrio em atividades de mineração, lembrou que durante os governos Michel Temer (2016 a 2018) e Jair Bolsonaro (2019 a 2022) a “atividade minerária ilegal explodiu de forma extraordinária”. E lamentou a força política de parlamentares que buscam flexibilizar a legislação do setor. “Há um lobby muito forte da mineração dentro do Congresso que, por vezes, trabalha de forma conjunta com o lobby da mineração ilegal”, disse.
Diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues destacou que o uso do mercúrio na mineração já é altamente regulado, citando a necessidade de licenciamento ambiental e de autorização, pelo Ibama, de sua importação – o Brasil não produz mercúrio. “O que a gente podia fazer em termos de regulação para tentar diminuir a periculosidade do uso dessa substância já foi feito.”
Apesar disso, os resultados positivos não apareceram e é hora de “mudar a chave”. “Esse esforço que a gente precisa fazer para usar o mercúrio numa condição um pouco mais segura é tão grande que eu acho que a gente poderia pegar esse mesmo esforço e colocar nas alternativas”, disse. E a melhor alternativa é a “erradicação”, declarou.
“Acho que, de fato, a gente precisa caminhar em direção à proibição total do mercúrio na extração de ouro, como a gente fez em outros segmentos.” A pesquisadora parabenizou Nilto Tatto, a seu lado na mesa, por apresentar o projeto que proíbe o uso do mercúrio.
O último a falar na primeira mesa, Giorgio de Tomi, professor titular da Escola Politécnica da USP e Coordenador Técnico do Projeto Ouro Sem Mercúrio, defendeu a importância do Estado na mudança da realidade do garimpeiro que atua de forma ilegal. “Existe a vontade dos garimpeiros de mudar e evoluir”, afirmou. “Mas eles precisam de ajuda.”
“Hoje eles trabalham em regiões remotas, sem apoio nenhum. A única presença do Estado, quando tem, é na hora de reprimir, fiscalizar”. Para De Tomi, os que usam mercúrio no garimpo ilegal “precisam de apoio técnico, econômico e de Estado para facilitar essa transição”.
Três convidados falaram entre as duas mesas do debate. Julevânia Olegário, diretora do Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração (DDSM) do Ministério de Minas e Energia (MME), defendeu a eliminação do mercúrio nos garimpos, mas disse ser importante que o Estado brasileiro ajude a capacitar as pessoas envolvidas na extração de ouro, já que a “atividade é feita, na maioria das vezes, por comunidades tradicionais e vulneráveis”. Afirmou que é preciso fomentar alternativas ao mercúrio que sejam “economicamente viáveis”.
Diretora do Departamento de Qualidade Ambiental do Ministério de Meio Ambiente, Thaianne Resende alertou para o impacto do mercúrio na saúde e no meio ambiente. “O mercúrio é silencioso, invisível, mas deixa marcas profundas na saúde, na água e na floresta”, afirmou.
Miguel Castro, ponto focal regional para Latam e Caribe do Centro CER da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), destacou a preocupação da organização em estabelecer padrões elevados de políticas públicas entre os 38 países-membros e países parceiros, como o Brasil.
Para a OCDE, a estabilidade das cadeias de fornecimento deve caminhar junto com a sustentabilidade. “Essa visão reforça a necessidade de uma mineração responsável, não apenas como uma exigência, mas também como uma oportunidade de desenvolvimento inclusivo e a longo prazo.”
Alternativas ao uso do mercúrio
Abrindo a segunda mesa, que debateu “Alternativas ao uso do mercúrio: para onde vamos?”, Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, criticou a obrigação legal de que todo o ouro que sai dos garimpos precisa ser vendido para Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, as DTVMs. Cinco delas dominam hoje o mercado brasileiro de ouro.
“Nos últimos anos essas instituições financeiras que tinham ou que tem autorização do Banco Central comercializaram e financiaram o ouro ilegal que circulou pelo Brasil e ganhou o exterior”, afirmou. “Quando a gente fala de lavagem de ouro, essas instituições sempre foram um ponto de lavanderia.”
A diretora do Escolhas defendeu a abertura de mercado, no qual uma indústria possa comprar diretamente de quem produz o ouro de forma responsável. “A gente não vai conseguir incentivar [as boas práticas] se a gente não tirar do meio do caminho as forças que até hoje só incentivaram o mercado ilegal.”
Larissa destacou ainda o fato de existirem hoje alternativas rentáveis ao mercúrio. “Muitas pessoas me perguntam: qual a alternativa ao mercúrio? Às vezes, a resposta não é tão complicada assim. Há algumas questões de tecnologia que às vezes são mais difíceis. Mas existem garimpos produzindo ouro sem mercúrio. Utiliza o quê no lugar? Nada. Utiliza água. A força mecânica da gravidade.”
Gilson Camboim, presidente na Federação das Cooperativas de Mineração do Estado de Mato Grosso, listou uma série de avanços tecnológicos que estão sendo desenvolvidos em centros de pesquisa e podem substituir o mercúrio – como o uso de nanopartículas de magnetita e o extrato das folhas do pau-de-balsa – e alguns que já estão sendo usados pelos garimpeiros – como o processo que une bombeamento de água e filtragem por meio de calhas.
Camboim destacou o papel do cooperativismo na busca de soluções que substituam o mercúrio. “O cooperativismo foi reconhecido pela ONU neste ano de 2025 como um mecanismo para o aprimoramento das atividades econômicas. Vamos lutar para conseguir chegar a este ponto, de eliminar o uso do mercúrio.”
Para Eduardo Gama, diretor de operação da startup Certimine, há muitos desafios para a substituição do mercúrio, um deles o fato de ser eficiente. “O mercúrio é muito tolerante e muito democrático. Aceita folha, areia. O que você alimentar, ele vai tirar ouro. O mesmo não pode ser dito sobre os outros métodos. Eu gosto de falar que o mercúrio é a força bruta, enquanto o resto é ajuste fino”.
Gama destacou a dificuldade de os pequenos mineradores irem para métodos mais sofisticados, pois não conseguem financiamento. “Eles ficam presos numa ratoeira, pois não conseguem migrar para outro regime. E precisam daquela atividade para sobreviver.”
Elena Crespo, professora titular da Universidade Federal do Pará e coordenadora do Instituto Amazônico do Mercúrio, lembrou que a Amazônia é responsável por 80% das emissões de mercúrio na América do Sul e a segunda região do mundo que mais emite a substância. E destacou que o ouro não fica na Amazônia. “Mas somos os primeiros a receber todas as consequências, as mais graves.” Entre elas, danos ao desenvolvimento das crianças, que passam a ter problemas de aprendizagem. “Falamos aqui de comprometimento das gerações futuras.”
Crespo disse acreditar que os garimpeiros da Amazônia querem mudar esse panorama. “Ninguém quer se expor ou expor sua família simplesmente por ganância”, afirmou a pesquisadora. “Dando oportunidade para eles, vão tornar esse quadro muito mais sustentável.”
Assista à integra do debate no canal do Correio Braziliense no YouTube.