ECONOMIA
Setor joalheiro do Rio de Janeiro promove visita a mineradoras de ouro em Mato Grosso
Com apoio da Firjan, a expedição teve como objetivo aproximar as duas pontas da cadeia produtiva de joias em busca de um setor mais responsável e sustentável

Desde 2014, a AJORIO e a Firjan realizam em conjunto caravanas empresariais a diversos polos fornecedores e/ou produtores de insumos para o setor de joias e bijuterias pelo Brasil com o objetivo de promover o melhor conhecimento da cadeia produtiva do nosso produto e o networking entre os associados.
A Caravana AJORIO 2024, uma jornada fascinante para explorar minas de ouro legalizadas na Baixada Cuiabana (MT), que aconteceu entre 22 e 24 de maio, marcou recordes históricos para a associação: são 10 anos deste projeto, fruto de uma próspera parceria com a Firjan; a maior missão empresarial já organizada pela AJORIO, reunindo 30 empresários do setor; uma visita inédita não apenas para os associados da entidade carioca, mas para os anfitriões, que pela primeira vez receberam um grupo de joalheiros em suas mineradoras.
A viagem teve início com um jantar de boas-vindas, um oferecimento da AJORIO, onde os empresários se reuniram com a diretoria do Instituto Somos do Minério, parceiro que possibilitou as visitas às mineradoras legalizadas da região. Durante este evento, a mineração responsável foi o alvo das discussões e, claro, o compartilhamento das expectativas para as tão esperadas visitas planejadas para o dia seguinte. Foi um início inspirador para a jornada, fortalecendo os laços entre todos os participantes.
No dia 23 de maio, o grupo saiu de Cuiabá saiu para uma visita aos garimpos de ouro de pequeno porte, em Poconé, há pouco mais de 1h30 de viagem. Os participantes puderam observar de perto o trabalho árduo dos mineradores, todos os processos para extração do minério e entenderam a importância da legalização para a sustentabilidade da indústria. Na parte da manhã, a primeira parada foi a Salinas Gold. Entre as pequenas empresas, é uma das maiores mineradoras da região, empregando mais de 580 trabalhadores. Atualmente, é a mais importante empresa do grupo Fomentas, estando em operação há cerca de 30 anos, mas sob o comando do grupo desde 2016.
Em um clima muito acolhedor, os visitantes foram recebidos por uma equipe formada por gerentes de minas, geólogos, engenheiros e diversos outros profissionais responsáveis pela operação das minas. Após uma aula introdutória e a colocação de equipamentos de segurança, o grupo seguiu para uma visita às instalações, permitindo que todos vissem a produção em ação, que acontece 24 horas por dia durante os 7 dias da semana. Uma curiosidade comum às mineradoras da região é que o único dia de descanso no ano se dá no feriado religioso da Sexta Feira da Paixão.
A Salinas Gold opera hoje com quatro plantas, processando oito mil toneladas de massa por dia (terra enriquecida com os minérios) por dia, mas os números de extração de ouro são sigilosos. É a primeira mineradora da Baixada Cuiabana e do Estado de Mato Grosso a eliminar 100% do mercúrio no processo produtivo.
A segunda parada do grupo foi na Mineração Moriá, onde foram recebidos calorosamente pelo fundador da empresa, Valdemir Souza. Com um largo sorriso e muita simpatia, ele mostrou a todos a realidade da extração de ouro em uma empresa pequena, mas extremamente organizada e de acordo com as leis ambientais e com responsabilidade social.
Na Moriá, os visitantes tiveram a chance de ver uma demonstração de como o ouro é retirado utilizando uma bateia – utensílio usado na mineração há milhares de anos. Através da sua agitação com movimentos circulares, Através da sua agitação com movimentos circulares, o sedimento retirado no fundo do tanque que recebe a terra com real potencial de ocorrência de ouro, vai, aos poucos revelando o metal que é a principal matéria-prima da joalheria. Foi possível também ver como a utilização responsável do mercúrio é segura: o material que possui um alto custo é, por isso, totalmente recuperado através das técnicas corretas. Segundo Valdemir, anfitrião da Moriá, “entidades de dentro e fora do Brasil estiveram nas instalações da Moriá realizando pesquisas, acompanhando processos e testando diariamente os níveis de contaminação dos rejeitos. Nada foi encontrado.”
De fato, o ponto mais alto destas visitas foi entender a importância de estar e permanecer próximo a todos os fornecedores. “A visita às minas, não só oferece conhecimento, mas reforça o compromisso de todo o setor com a legalidade e sustentabilidade. Garantir que a origem das nossas matérias-primas é ética e sustentável nos proporciona a segurança de estarmos trilhando o caminho de uma empresa mais justa e engajada com causas socioambientais. Esse compromisso é essencial para atender às expectativas dos consumidores que buscam empresas responsáveis” – reflete Carla Pinheiro, presidente da AJORIO.
Ao final da viagem, a sensação de gratidão e aprendizado era evidente entre todos os participantes. O conhecimento adquirido e as conexões feitas durante esta jornada vão durar para sempre, fortalecendo ainda mais nossa cadeia produtiva de joias e bijuterias.
Notícias
Especialistas debatem proibição do mercúrio na extração de ouro
Published
1 semana atráson
11 de outubro de 2025
Vários setores econômicos já abandonaram o uso do mercúrio devido a seu impacto na saúde das pessoas e no meio ambiente. Mas o metal continua a ser largamente utilizado na extração de ouro, especialmente na Amazônia. Apenas entre 2018 e 2022, 185 toneladas de mercúrio de origem desconhecida podem ter sido utilizadas nos garimpos do país.
Em debate realizado nesta terça-feira (7) pelo jornal Correio Braziliense em parceria com o Instituto Escolhas, representantes do poder público, empresários e pesquisadores concordaram sobre a necessidade de pôr fim ao uso de mercúrio nos garimpos, mas divergiram sobre o que precisa ser feito até sua erradicação e sobre a conveniência de uma proibição imediata.
Ao abrir o evento, Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, destacou a importância de a discussão da erradicação do mercúrio e de alternativas viáveis economicamente a esse insumo da mineração acontecer às vésperas da COP30, que será realizada em novembro na cidade de Belém (PA).
Primeiro convidado a falar, Eloy Terena, secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), afirmou que o garimpo ilegal está presente em 26 Terras Indígenas, de forma mais intensa e preocupante em quatro delas: Kayapó, Munduruku, Yanomami e Sararé. “O garimpo é vetor de violência, desmatamento, contaminação das águas e desestruturação social.”
Jair Schmitt, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, responsável pelas ações de fiscalização do órgão, listou as iniciativas tomadas pelo instituto no atual governo e usou uma imagem forte para falar da “explosão do garimpo ilegal na Amazônia” de 2017 a 2023. “Quando a gente olha as imagens dos satélites, o que a gente está vendo ali é a proliferação de um grande câncer”, afirmou.
Controles sobre o uso do mercúrio
Depois das falas inaugurais de Terena e Schmitt, teve início a primeira mesa do debate, que discutiu “Controles sobre o uso do mercúrio: desafios e perspectivas”. Renato Madsen Arruda, diretor substituto da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, afirmou que a PF tem como objetivo principal, ao lado de outros órgãos da administração pública, atacar o crime organizado que cerca a atividade da mineração ilegal.
“Não é aquele garimpeiro, aquele trabalhador braçal que está ali nos rincões da Amazônia que está acumulando essa riqueza. Há outros atores que estão acumulando essa riqueza e financiando a atividade. A estratégia da Polícia Federal tem sido principalmente descapitalizar esses atores que circundam a atividade da mineração ilegal e que enriquecem em prejuízo do meio ambiente e das comunidades que vivem na região amazônica”, disse Arruda.
O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), autor de um projeto de lei que proíbe o uso do mercúrio em atividades de mineração, lembrou que durante os governos Michel Temer (2016 a 2018) e Jair Bolsonaro (2019 a 2022) a “atividade minerária ilegal explodiu de forma extraordinária”. E lamentou a força política de parlamentares que buscam flexibilizar a legislação do setor. “Há um lobby muito forte da mineração dentro do Congresso que, por vezes, trabalha de forma conjunta com o lobby da mineração ilegal”, disse.
Diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues destacou que o uso do mercúrio na mineração já é altamente regulado, citando a necessidade de licenciamento ambiental e de autorização, pelo Ibama, de sua importação – o Brasil não produz mercúrio. “O que a gente podia fazer em termos de regulação para tentar diminuir a periculosidade do uso dessa substância já foi feito.”
Apesar disso, os resultados positivos não apareceram e é hora de “mudar a chave”. “Esse esforço que a gente precisa fazer para usar o mercúrio numa condição um pouco mais segura é tão grande que eu acho que a gente poderia pegar esse mesmo esforço e colocar nas alternativas”, disse. E a melhor alternativa é a “erradicação”, declarou.
“Acho que, de fato, a gente precisa caminhar em direção à proibição total do mercúrio na extração de ouro, como a gente fez em outros segmentos.” A pesquisadora parabenizou Nilto Tatto, a seu lado na mesa, por apresentar o projeto que proíbe o uso do mercúrio.
O último a falar na primeira mesa, Giorgio de Tomi, professor titular da Escola Politécnica da USP e Coordenador Técnico do Projeto Ouro Sem Mercúrio, defendeu a importância do Estado na mudança da realidade do garimpeiro que atua de forma ilegal. “Existe a vontade dos garimpeiros de mudar e evoluir”, afirmou. “Mas eles precisam de ajuda.”
“Hoje eles trabalham em regiões remotas, sem apoio nenhum. A única presença do Estado, quando tem, é na hora de reprimir, fiscalizar”. Para De Tomi, os que usam mercúrio no garimpo ilegal “precisam de apoio técnico, econômico e de Estado para facilitar essa transição”.
Três convidados falaram entre as duas mesas do debate. Julevânia Olegário, diretora do Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração (DDSM) do Ministério de Minas e Energia (MME), defendeu a eliminação do mercúrio nos garimpos, mas disse ser importante que o Estado brasileiro ajude a capacitar as pessoas envolvidas na extração de ouro, já que a “atividade é feita, na maioria das vezes, por comunidades tradicionais e vulneráveis”. Afirmou que é preciso fomentar alternativas ao mercúrio que sejam “economicamente viáveis”.
Diretora do Departamento de Qualidade Ambiental do Ministério de Meio Ambiente, Thaianne Resende alertou para o impacto do mercúrio na saúde e no meio ambiente. “O mercúrio é silencioso, invisível, mas deixa marcas profundas na saúde, na água e na floresta”, afirmou.
Miguel Castro, ponto focal regional para Latam e Caribe do Centro CER da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), destacou a preocupação da organização em estabelecer padrões elevados de políticas públicas entre os 38 países-membros e países parceiros, como o Brasil.
Para a OCDE, a estabilidade das cadeias de fornecimento deve caminhar junto com a sustentabilidade. “Essa visão reforça a necessidade de uma mineração responsável, não apenas como uma exigência, mas também como uma oportunidade de desenvolvimento inclusivo e a longo prazo.”
Alternativas ao uso do mercúrio
Abrindo a segunda mesa, que debateu “Alternativas ao uso do mercúrio: para onde vamos?”, Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, criticou a obrigação legal de que todo o ouro que sai dos garimpos precisa ser vendido para Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, as DTVMs. Cinco delas dominam hoje o mercado brasileiro de ouro.
“Nos últimos anos essas instituições financeiras que tinham ou que tem autorização do Banco Central comercializaram e financiaram o ouro ilegal que circulou pelo Brasil e ganhou o exterior”, afirmou. “Quando a gente fala de lavagem de ouro, essas instituições sempre foram um ponto de lavanderia.”
A diretora do Escolhas defendeu a abertura de mercado, no qual uma indústria possa comprar diretamente de quem produz o ouro de forma responsável. “A gente não vai conseguir incentivar [as boas práticas] se a gente não tirar do meio do caminho as forças que até hoje só incentivaram o mercado ilegal.”
Larissa destacou ainda o fato de existirem hoje alternativas rentáveis ao mercúrio. “Muitas pessoas me perguntam: qual a alternativa ao mercúrio? Às vezes, a resposta não é tão complicada assim. Há algumas questões de tecnologia que às vezes são mais difíceis. Mas existem garimpos produzindo ouro sem mercúrio. Utiliza o quê no lugar? Nada. Utiliza água. A força mecânica da gravidade.”
Gilson Camboim, presidente na Federação das Cooperativas de Mineração do Estado de Mato Grosso, listou uma série de avanços tecnológicos que estão sendo desenvolvidos em centros de pesquisa e podem substituir o mercúrio – como o uso de nanopartículas de magnetita e o extrato das folhas do pau-de-balsa – e alguns que já estão sendo usados pelos garimpeiros – como o processo que une bombeamento de água e filtragem por meio de calhas.
Camboim destacou o papel do cooperativismo na busca de soluções que substituam o mercúrio. “O cooperativismo foi reconhecido pela ONU neste ano de 2025 como um mecanismo para o aprimoramento das atividades econômicas. Vamos lutar para conseguir chegar a este ponto, de eliminar o uso do mercúrio.”
Para Eduardo Gama, diretor de operação da startup Certimine, há muitos desafios para a substituição do mercúrio, um deles o fato de ser eficiente. “O mercúrio é muito tolerante e muito democrático. Aceita folha, areia. O que você alimentar, ele vai tirar ouro. O mesmo não pode ser dito sobre os outros métodos. Eu gosto de falar que o mercúrio é a força bruta, enquanto o resto é ajuste fino”.
Gama destacou a dificuldade de os pequenos mineradores irem para métodos mais sofisticados, pois não conseguem financiamento. “Eles ficam presos numa ratoeira, pois não conseguem migrar para outro regime. E precisam daquela atividade para sobreviver.”
Elena Crespo, professora titular da Universidade Federal do Pará e coordenadora do Instituto Amazônico do Mercúrio, lembrou que a Amazônia é responsável por 80% das emissões de mercúrio na América do Sul e a segunda região do mundo que mais emite a substância. E destacou que o ouro não fica na Amazônia. “Mas somos os primeiros a receber todas as consequências, as mais graves.” Entre elas, danos ao desenvolvimento das crianças, que passam a ter problemas de aprendizagem. “Falamos aqui de comprometimento das gerações futuras.”
Crespo disse acreditar que os garimpeiros da Amazônia querem mudar esse panorama. “Ninguém quer se expor ou expor sua família simplesmente por ganância”, afirmou a pesquisadora. “Dando oportunidade para eles, vão tornar esse quadro muito mais sustentável.”
Assista à integra do debate no canal do Correio Braziliense no YouTube.