SEGUNDO PESQUISA
ESG é visto como o maior risco para o setor de mineração e metais no Brasil

Em seguida vêm os riscos e oportunidades ligados à geopolítica, mudanças climáticas, a licença para operar, custos e produtividade, interrupções na cadeia de suprimentos, força de trabalho, capital, digital e inovação e novos modelos de negócios.
Especialistas destacam que o setor, mesmo tendo passado por mudanças significativas nos últimos anos pressionado pelo poder público e pela indústria privada, ainda é tido como um dos mais poluentes — considerando os riscos referentes aos impactos da mudança climática, como enchentes, crises no sistema elétrico e falta de água potável.
Com isso, a ascensão da agenda ESG, que tem como uma das principais bandeiras o meio ambiente, se torna um risco para o setor, que tem de se adequar a diversas normativas para conseguir recursos de bancos e fundos de investimentos, segundo o doutor em economia dos recursos naturais e professor da Universidade de São Paulo (USP), Luis Enrique Sánchez.
“Se o setor precisa de recursos, tem de demonstrar que possui um sistema robusto de gestão ambiental. O setor financeiro tinha pouco conhecimento dos riscos da mineração e foi surpreendido com os dois grandes casos”, afirma, se referindo às tragédias de Brumadinho e Mariana.
:quality(80)/cloudfront-us-east-1.images.arcpublishing.com/estadao/IAFKTZMYQRISFDHL5ZRAGPLKSU.jpg)
Para ele, a transição do setor tem relação direta com a ascensão do ESG. “A agenda e a legislação mais fortes pesaram para essa transição para uma economia sustentável, assim como o crescente interesse da própria sociedade aos riscos da mineração e uma atenção maior dos investidores.”
“Se o setor de mineração não for responsável, não vai ter licença para operar. As mudanças vêm não porque é um setor bonzinho, mas da necessidade pela pressão que a sociedade e os governos têm feito”, afirma o líder de energia e recursos naturais da EY, Afonso Sartorio.
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) houve avanços, de fato, mas a mineração continua a ser um setor poluente e que enfrentará muitas dificuldades. “Eu tenho o entendimento de que essa perspectiva não vem mudando e não vai mudar a curto prazo.”
Segundo ele, toda vez que há um novo projeto de mineração de médio e grande porte, as empresas têm dificuldade em avançar com o projeto e dialogar com as comunidades. “Eles encontram dificuldades que não ocorriam no passado. Está mais difícil e esse é um dos motivos para a valorização da agenda ESG.”
O especialista da EY destaca que, embora uma mudança para uma cadeia mais sustentável esteja acontecendo, as pessoas muitas vezes não percebem essa mudança por terem um “preconceito” com o setor. “Acho que as pessoas são mais céticas ao ouvir notícias da indústria de mineração. Em função de problemas, alguns graves, já ocorridos e que envolveram a mineração.”
Sartorio, no entanto, destaca que as comunidades próximas dos locais onde existe mineração querem o setor próximo. “Existe uma diferença do que o carioca da zona sul entende de mineração e a população vizinha. Gera trabalho e renda.”
“Não quer dizer que não existam situações de tensões, de risco, de barragem que tem que ser tratadas. A questão é que a mineração não fez o trabalho que o agro fez. Antes, era visto como o pessoal das queimadas, dos boias-frias, hoje é ‘pop’. A mineração não percorreu esse caminho.”
Para ele, falta esta mudança para que a sociedade enxergue a relevância do setor, considerado um dos setores mais influentes na economia brasileira, produzindo e comercializando para quase todo tipo de indústria no País. Em 2022, a mineração foi responsável por 40% do saldo brasileiro na balança comercial e o faturamento do setor no ano foi de R$ 250 bilhões.
ESG pode ser oportunidade para o setor
Especialistas apontam que a crescente busca por minerais produzidos de maneira mais limpa apresenta novas oportunidades de negócio, uma vez que os clientes estão dispostos a investir mais em tais produtos.
Sartorio afirma que a relevância do setor na cadeia produtiva brasileira leva o ESG a ser visto também como uma oportunidade para o setor. “As empresas mais estruturadas conseguem usar como uma oportunidade”, disse, destacando, no entanto, que no contexto ambiental que o Brasil se encontra, a adaptação do setor não é uma escolha, mas algo essencial.
Para o professor da USP, a sustentabilidade pode ser uma boa oportunidade para o setor, considerando o crescimento da demanda prospectado por várias entidades. “O setor de mineração está muito ligado nas projeções de um aumento da demanda de bens minerais por conta da descarbonização e transição energética.”
No entanto, o especialista da EY defende que estar em conformidade somente com a legislação e regulamentação referentes já não é suficiente em um ambiente que os consumidores esperam, segundo ele, um “valor compartilhado com real impacto positivo”.
“É sim ou sim. Precisa ser uma oportunidade, tanto para a humanidade, quanto para o próprio setor. A humanidade não vive sem a mineração. Se for um risco, como essas as milhões de pessoas vão conseguir ter garfo? Como os países pobres vão elevar o seu padrão se a mineração for uma atividade de risco?”, afirma.
Assim como em outros setores, Sartorio destaca que uma modificação efetiva leva tempo, principalmente para haver mudanças de maquinário e práticas específicas — que dependem de uma transformação de todas as empresas, inclusive dos fornecedores.
Para ele, no entanto, a mudança já está acontecendo. Sartorio destaca que as principais apostas do setor têm sido investir na redução de carbono e na reciclagem de produtos. Outra tendência sustentável que deve se consolidar no mercado é o rastreio da pegada de carbono nas empresas de varejo, forçando uma mudança também no setor de mineração.
“As empresas de consumo vão ser pressionadas a rastrear os seus produtos até a origem, da onde ele saiu, qual o solo, como ele foi processado, quanto emitiu de carbono. As empresas que tiverem soluções inovadoras que atenderem a essa direção e consigam rastrear as suas cadeias vão ter uma vantagem competitiva enorme.”
Notícias
Especialistas debatem proibição do mercúrio na extração de ouro
Published
1 semana atráson
11 de outubro de 2025
Vários setores econômicos já abandonaram o uso do mercúrio devido a seu impacto na saúde das pessoas e no meio ambiente. Mas o metal continua a ser largamente utilizado na extração de ouro, especialmente na Amazônia. Apenas entre 2018 e 2022, 185 toneladas de mercúrio de origem desconhecida podem ter sido utilizadas nos garimpos do país.
Em debate realizado nesta terça-feira (7) pelo jornal Correio Braziliense em parceria com o Instituto Escolhas, representantes do poder público, empresários e pesquisadores concordaram sobre a necessidade de pôr fim ao uso de mercúrio nos garimpos, mas divergiram sobre o que precisa ser feito até sua erradicação e sobre a conveniência de uma proibição imediata.
Ao abrir o evento, Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, destacou a importância de a discussão da erradicação do mercúrio e de alternativas viáveis economicamente a esse insumo da mineração acontecer às vésperas da COP30, que será realizada em novembro na cidade de Belém (PA).
Primeiro convidado a falar, Eloy Terena, secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), afirmou que o garimpo ilegal está presente em 26 Terras Indígenas, de forma mais intensa e preocupante em quatro delas: Kayapó, Munduruku, Yanomami e Sararé. “O garimpo é vetor de violência, desmatamento, contaminação das águas e desestruturação social.”
Jair Schmitt, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, responsável pelas ações de fiscalização do órgão, listou as iniciativas tomadas pelo instituto no atual governo e usou uma imagem forte para falar da “explosão do garimpo ilegal na Amazônia” de 2017 a 2023. “Quando a gente olha as imagens dos satélites, o que a gente está vendo ali é a proliferação de um grande câncer”, afirmou.
Controles sobre o uso do mercúrio
Depois das falas inaugurais de Terena e Schmitt, teve início a primeira mesa do debate, que discutiu “Controles sobre o uso do mercúrio: desafios e perspectivas”. Renato Madsen Arruda, diretor substituto da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, afirmou que a PF tem como objetivo principal, ao lado de outros órgãos da administração pública, atacar o crime organizado que cerca a atividade da mineração ilegal.
“Não é aquele garimpeiro, aquele trabalhador braçal que está ali nos rincões da Amazônia que está acumulando essa riqueza. Há outros atores que estão acumulando essa riqueza e financiando a atividade. A estratégia da Polícia Federal tem sido principalmente descapitalizar esses atores que circundam a atividade da mineração ilegal e que enriquecem em prejuízo do meio ambiente e das comunidades que vivem na região amazônica”, disse Arruda.
O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), autor de um projeto de lei que proíbe o uso do mercúrio em atividades de mineração, lembrou que durante os governos Michel Temer (2016 a 2018) e Jair Bolsonaro (2019 a 2022) a “atividade minerária ilegal explodiu de forma extraordinária”. E lamentou a força política de parlamentares que buscam flexibilizar a legislação do setor. “Há um lobby muito forte da mineração dentro do Congresso que, por vezes, trabalha de forma conjunta com o lobby da mineração ilegal”, disse.
Diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues destacou que o uso do mercúrio na mineração já é altamente regulado, citando a necessidade de licenciamento ambiental e de autorização, pelo Ibama, de sua importação – o Brasil não produz mercúrio. “O que a gente podia fazer em termos de regulação para tentar diminuir a periculosidade do uso dessa substância já foi feito.”
Apesar disso, os resultados positivos não apareceram e é hora de “mudar a chave”. “Esse esforço que a gente precisa fazer para usar o mercúrio numa condição um pouco mais segura é tão grande que eu acho que a gente poderia pegar esse mesmo esforço e colocar nas alternativas”, disse. E a melhor alternativa é a “erradicação”, declarou.
“Acho que, de fato, a gente precisa caminhar em direção à proibição total do mercúrio na extração de ouro, como a gente fez em outros segmentos.” A pesquisadora parabenizou Nilto Tatto, a seu lado na mesa, por apresentar o projeto que proíbe o uso do mercúrio.
O último a falar na primeira mesa, Giorgio de Tomi, professor titular da Escola Politécnica da USP e Coordenador Técnico do Projeto Ouro Sem Mercúrio, defendeu a importância do Estado na mudança da realidade do garimpeiro que atua de forma ilegal. “Existe a vontade dos garimpeiros de mudar e evoluir”, afirmou. “Mas eles precisam de ajuda.”
“Hoje eles trabalham em regiões remotas, sem apoio nenhum. A única presença do Estado, quando tem, é na hora de reprimir, fiscalizar”. Para De Tomi, os que usam mercúrio no garimpo ilegal “precisam de apoio técnico, econômico e de Estado para facilitar essa transição”.
Três convidados falaram entre as duas mesas do debate. Julevânia Olegário, diretora do Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração (DDSM) do Ministério de Minas e Energia (MME), defendeu a eliminação do mercúrio nos garimpos, mas disse ser importante que o Estado brasileiro ajude a capacitar as pessoas envolvidas na extração de ouro, já que a “atividade é feita, na maioria das vezes, por comunidades tradicionais e vulneráveis”. Afirmou que é preciso fomentar alternativas ao mercúrio que sejam “economicamente viáveis”.
Diretora do Departamento de Qualidade Ambiental do Ministério de Meio Ambiente, Thaianne Resende alertou para o impacto do mercúrio na saúde e no meio ambiente. “O mercúrio é silencioso, invisível, mas deixa marcas profundas na saúde, na água e na floresta”, afirmou.
Miguel Castro, ponto focal regional para Latam e Caribe do Centro CER da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), destacou a preocupação da organização em estabelecer padrões elevados de políticas públicas entre os 38 países-membros e países parceiros, como o Brasil.
Para a OCDE, a estabilidade das cadeias de fornecimento deve caminhar junto com a sustentabilidade. “Essa visão reforça a necessidade de uma mineração responsável, não apenas como uma exigência, mas também como uma oportunidade de desenvolvimento inclusivo e a longo prazo.”
Alternativas ao uso do mercúrio
Abrindo a segunda mesa, que debateu “Alternativas ao uso do mercúrio: para onde vamos?”, Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, criticou a obrigação legal de que todo o ouro que sai dos garimpos precisa ser vendido para Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, as DTVMs. Cinco delas dominam hoje o mercado brasileiro de ouro.
“Nos últimos anos essas instituições financeiras que tinham ou que tem autorização do Banco Central comercializaram e financiaram o ouro ilegal que circulou pelo Brasil e ganhou o exterior”, afirmou. “Quando a gente fala de lavagem de ouro, essas instituições sempre foram um ponto de lavanderia.”
A diretora do Escolhas defendeu a abertura de mercado, no qual uma indústria possa comprar diretamente de quem produz o ouro de forma responsável. “A gente não vai conseguir incentivar [as boas práticas] se a gente não tirar do meio do caminho as forças que até hoje só incentivaram o mercado ilegal.”
Larissa destacou ainda o fato de existirem hoje alternativas rentáveis ao mercúrio. “Muitas pessoas me perguntam: qual a alternativa ao mercúrio? Às vezes, a resposta não é tão complicada assim. Há algumas questões de tecnologia que às vezes são mais difíceis. Mas existem garimpos produzindo ouro sem mercúrio. Utiliza o quê no lugar? Nada. Utiliza água. A força mecânica da gravidade.”
Gilson Camboim, presidente na Federação das Cooperativas de Mineração do Estado de Mato Grosso, listou uma série de avanços tecnológicos que estão sendo desenvolvidos em centros de pesquisa e podem substituir o mercúrio – como o uso de nanopartículas de magnetita e o extrato das folhas do pau-de-balsa – e alguns que já estão sendo usados pelos garimpeiros – como o processo que une bombeamento de água e filtragem por meio de calhas.
Camboim destacou o papel do cooperativismo na busca de soluções que substituam o mercúrio. “O cooperativismo foi reconhecido pela ONU neste ano de 2025 como um mecanismo para o aprimoramento das atividades econômicas. Vamos lutar para conseguir chegar a este ponto, de eliminar o uso do mercúrio.”
Para Eduardo Gama, diretor de operação da startup Certimine, há muitos desafios para a substituição do mercúrio, um deles o fato de ser eficiente. “O mercúrio é muito tolerante e muito democrático. Aceita folha, areia. O que você alimentar, ele vai tirar ouro. O mesmo não pode ser dito sobre os outros métodos. Eu gosto de falar que o mercúrio é a força bruta, enquanto o resto é ajuste fino”.
Gama destacou a dificuldade de os pequenos mineradores irem para métodos mais sofisticados, pois não conseguem financiamento. “Eles ficam presos numa ratoeira, pois não conseguem migrar para outro regime. E precisam daquela atividade para sobreviver.”
Elena Crespo, professora titular da Universidade Federal do Pará e coordenadora do Instituto Amazônico do Mercúrio, lembrou que a Amazônia é responsável por 80% das emissões de mercúrio na América do Sul e a segunda região do mundo que mais emite a substância. E destacou que o ouro não fica na Amazônia. “Mas somos os primeiros a receber todas as consequências, as mais graves.” Entre elas, danos ao desenvolvimento das crianças, que passam a ter problemas de aprendizagem. “Falamos aqui de comprometimento das gerações futuras.”
Crespo disse acreditar que os garimpeiros da Amazônia querem mudar esse panorama. “Ninguém quer se expor ou expor sua família simplesmente por ganância”, afirmou a pesquisadora. “Dando oportunidade para eles, vão tornar esse quadro muito mais sustentável.”
Assista à integra do debate no canal do Correio Braziliense no YouTube.