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Como o rejeito da mineração se transformou em tijolo, estrada e até em obra de arte — a virada tecnológica que poucos conhecem

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Durante muito tempo, os rejeitos da mineração foram vistos como um problema. Montanhas de resíduos acumulados, represados em barragens que, em casos extremos, causaram tragédias como as de Mariana e Brumadinho. Mas essa visão está mudando. Com o avanço da ciência e da engenharia de materiais, o que antes era descartado agora ganha nova vida em forma de  tijolos, pavimentação de estradas, cimento,  obras de arte e até peças de decoração. O que parecia impossível se tornou realidade graças a universidades, startups e grandes mineradoras que passaram a investir em tecnologias de reaproveitamento. No Brasil, o movimento é liderado por instituições como a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), e empresas como a Vale, que buscam transformar passivos ambientais em oportunidades sustentáveis e economicamente viáveis.

O que são os rejeitos da mineração?

Rejeitos são os materiais que sobram após a extração do minério útil. No caso do minério de ferro, por exemplo, trata-se de uma lama composta por sílica, argila, ferro residual e outros minerais que não possuem valor comercial imediato. Historicamente, esses rejeitos foram acumulados em grandes barragens, exigindo manutenção e monitoramento constantes para evitar riscos.

Com a intensificação dos debates sobre segurança e sustentabilidade após os desastres ocorridos em Minas Gerais, cresceu a pressão por modelos de mineração mais limpos, circulares e responsáveis. E a saída encontrada foi reaproveitar os resíduos como matéria-prima para outros setores.

Tijolos sustentáveis feitos com rejeito da mineração

Um dos casos mais emblemáticos é o da UFOP, que desenvolveu um tipo de tijolo ecológico produzido com rejeito de minério de ferro. O produto tem resistência equivalente ao tijolo tradicional, custo mais baixo e, o mais importante: evita o uso de argila retirada da natureza, reduzindo o desmatamento para a produção cerâmica.

Os pesquisadores descobriram que, ao misturar o rejeito com cimento e aditivos específicos, é possível obter um material com boa resistência mecânica e térmica. Além disso, o produto final tem menor absorção de água, o que aumenta sua durabilidade em ambientes externos.

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O projeto foi premiado e ganhou visibilidade nacional como uma solução promissora para construções sustentáveis em áreas próximas a regiões mineradoras.

Asfalto e cimento com rejeito da mineração

Outra frente de inovação é a aplicação de rejeitos na pavimentação de estradas. A própria Vale já realizou testes em Minas Gerais com pavimentação experimental feita com uma mistura que inclui rejeitos de minério. A iniciativa visa não apenas reutilizar o material, mas também baratear os custos de obras rodoviárias em regiões remotas.

Além disso, parte dos resíduos pode ser aproveitada na indústria de cimento. O rejeito funciona como um substituto parcial do clínquer, reduzindo as emissões de CO₂ no processo de fabricação do cimento — um dos mais poluentes do setor industrial.

Em relatório de sustentabilidade, a Vale afirma que já conseguiu reaproveitar cerca de 40% dos rejeitos de suas operações em 2022, com metas ambiciosas para os próximos anos.

Arte feita com rejeitos: da lama ao símbolo de resiliência

Em uma abordagem mais simbólica e emocional, artistas têm utilizado os rejeitos como matéria-prima para obras de arte. Um exemplo disso é o coletivo “Lama” — grupo de artistas de Minas Gerais que transformou os sedimentos de Mariana em esculturas e quadros.

As obras buscam ressignificar a dor causada pelo rompimento da barragem da Samarco, transformando resíduos em memória, denúncia e também em arte contemporânea. O projeto recebeu apoio de ONGs e foi exposto em galerias nacionais e internacionais.

Esse tipo de iniciativa mostra que o rejeito também pode carregar valor imaterial, sendo ponte entre ciência, sociedade e cultura.

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Economia circular na mineração: tendência global

A lógica do reaproveitamento de rejeitos faz parte do conceito de economia circular, em que nada se perde — tudo se transforma. A mineração, historicamente linear (extrair → beneficiar → descartar), começa a adotar esse novo modelo, no qual resíduos viram recursos.

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), o reaproveitamento de rejeitos e escórias pode ser fundamental para atender à demanda por materiais da transição energética, como o lítio, o cobre e o níquel.

No Brasil, o avanço ainda é tímido, mas crescente. Estima-se que menos de 30% dos rejeitos de mineração são reaproveitados atualmente, mas novas regulamentações e pressões do mercado estão acelerando essa curva.

Barreiras e desafios do reaproveitamento

Apesar do potencial, o uso de rejeitos enfrenta desafios técnicos, regulatórios e até culturais. Muitas construtoras ainda hesitam em utilizar materiais com origem em resíduos, por preconceito ou falta de normatização técnica.

Além disso, nem todo rejeito é igual. A composição química varia de mina para mina, e nem sempre é economicamente viável transformar o material. O transporte do rejeito até locais de uso também pode encarecer a operação.

Para mudar esse cenário, é essencial investir em pesquisa, certificação de produtos e incentivos fiscais para obras com baixo impacto ambiental.

O futuro da mineração pode estar no próprio lixo

A chamada “mineração do futuro” vai muito além de escavar o subsolo. Envolve extrair valor de onde antes só havia descarte. Rejeitos que antes ocupavam áreas gigantescas hoje viram matéria-prima para novas cadeias produtivas — da construção civil à arte, da pavimentação à moda sustentável.

Empresas que souberem integrar inovação, sustentabilidade e impacto social sairão na frente em um mercado global cada vez mais exigente e regulado.

 

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Especialistas debatem proibição do mercúrio na extração de ouro

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Foto: Ton Molina

Vários setores econômicos já abandonaram o uso do mercúrio devido a seu impacto na saúde das pessoas e no meio ambiente. Mas o metal continua a ser largamente utilizado na extração de ouro, especialmente na Amazônia. Apenas entre 2018 e 2022, 185 toneladas de mercúrio de origem desconhecida podem ter sido utilizadas nos garimpos do país.

Em debate realizado nesta terça-feira (7) pelo jornal Correio Braziliense em parceria com o Instituto Escolhas, representantes do poder público, empresários e pesquisadores concordaram sobre a necessidade de pôr fim ao uso de mercúrio nos garimpos, mas divergiram sobre o que precisa ser feito até sua erradicação e sobre a conveniência de uma proibição imediata.

Ao abrir o evento, Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, destacou a importância de a discussão da erradicação do mercúrio e de alternativas viáveis economicamente a esse insumo da mineração acontecer às vésperas da COP30, que será realizada em novembro na cidade  de Belém (PA).

Primeiro convidado a falar, Eloy Terena, secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), afirmou que o garimpo ilegal está presente em 26 Terras Indígenas, de forma mais intensa e preocupante em quatro delas: Kayapó, Munduruku, Yanomami e Sararé. “O garimpo é vetor de violência, desmatamento, contaminação das águas e desestruturação social.”

Jair Schmitt, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, responsável pelas ações de fiscalização do órgão, listou as iniciativas tomadas pelo instituto no atual governo e usou uma imagem forte para falar da “explosão do garimpo ilegal na Amazônia” de 2017 a 2023. “Quando a gente olha as imagens dos satélites, o que a gente está vendo ali é a proliferação de um grande câncer”, afirmou.

 

Controles sobre o uso do mercúrio

Depois das falas inaugurais de Terena e Schmitt, teve início a primeira mesa do debate, que discutiu “Controles sobre o uso do mercúrio: desafios e perspectivas”. Renato Madsen Arruda, diretor substituto da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, afirmou que a PF tem como objetivo principal, ao lado de outros órgãos da administração pública, atacar o crime organizado que cerca a atividade da mineração ilegal.

“Não é aquele garimpeiro, aquele trabalhador braçal que está ali nos rincões da Amazônia que está acumulando essa riqueza. Há outros atores que estão acumulando essa riqueza e financiando a atividade. A estratégia da Polícia Federal tem sido principalmente descapitalizar esses atores que circundam a atividade da mineração ilegal e que enriquecem em prejuízo do meio ambiente e das comunidades que vivem na região amazônica”, disse Arruda.

O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), autor de um projeto de lei que proíbe o uso do mercúrio em atividades de mineração, lembrou que durante os governos Michel Temer (2016 a 2018) e Jair Bolsonaro (2019 a 2022) a “atividade minerária ilegal explodiu de forma extraordinária”. E lamentou a força política de parlamentares que buscam flexibilizar a legislação do setor. “Há um lobby muito forte da mineração dentro do Congresso que, por vezes, trabalha de forma conjunta com o lobby da mineração ilegal”, disse.

Diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues destacou que o uso do mercúrio na mineração já é altamente regulado, citando a necessidade de licenciamento ambiental e de autorização, pelo Ibama, de sua importação – o Brasil não produz mercúrio. “O que a gente podia fazer em termos de regulação para tentar diminuir a periculosidade do uso dessa substância já foi feito.”

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Apesar disso, os resultados positivos não apareceram e é hora de “mudar a chave”. “Esse esforço que a gente precisa fazer para usar o mercúrio numa condição um pouco mais segura é tão grande que eu acho que a gente poderia pegar esse mesmo esforço e colocar nas alternativas”, disse. E a melhor alternativa é a “erradicação”, declarou.

“Acho que, de fato, a gente precisa caminhar em direção à proibição total do mercúrio na extração de ouro, como a gente fez em outros segmentos.” A pesquisadora parabenizou Nilto Tatto, a seu lado na mesa, por apresentar o projeto que proíbe o uso do mercúrio.

O último a falar na primeira mesa, Giorgio de Tomi, professor titular da Escola Politécnica da USP e Coordenador Técnico do Projeto Ouro Sem Mercúrio, defendeu a importância do Estado na mudança da realidade do garimpeiro que atua de forma ilegal. “Existe a vontade dos garimpeiros de mudar e evoluir”, afirmou. “Mas eles precisam de ajuda.”

“Hoje eles trabalham em regiões remotas, sem apoio nenhum. A única presença do Estado, quando tem, é na hora de reprimir, fiscalizar”. Para De Tomi, os que usam mercúrio no garimpo ilegal “precisam de apoio técnico, econômico e de Estado para facilitar essa transição”.

Três convidados falaram entre as duas mesas do debate. Julevânia Olegário, diretora do Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração (DDSM) do Ministério de Minas e Energia (MME), defendeu a eliminação do mercúrio nos garimpos, mas disse ser importante que o Estado brasileiro ajude a capacitar as pessoas envolvidas na extração de ouro, já que a “atividade é feita, na maioria das vezes, por comunidades tradicionais e vulneráveis”. Afirmou que é preciso fomentar alternativas ao mercúrio que sejam “economicamente viáveis”.

Diretora do Departamento de Qualidade Ambiental do Ministério de Meio Ambiente, Thaianne Resende alertou para o impacto do mercúrio na saúde e no meio ambiente. “O mercúrio é silencioso, invisível, mas deixa marcas profundas na saúde, na água e na floresta”, afirmou.

Miguel Castro, ponto focal regional para Latam e Caribe do Centro CER da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), destacou a preocupação da organização em estabelecer padrões elevados de políticas públicas entre os 38 países-membros e países parceiros, como o Brasil.

Para a OCDE, a estabilidade das cadeias de fornecimento deve caminhar junto com a sustentabilidade. “Essa visão reforça a necessidade de uma mineração responsável, não apenas como uma exigência, mas também como uma oportunidade de desenvolvimento inclusivo e a longo prazo.”

 

Alternativas ao uso do mercúrio

Abrindo a segunda mesa, que debateu “Alternativas ao uso do mercúrio: para onde vamos?”, Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, criticou a obrigação legal de que todo o ouro que sai dos garimpos precisa ser vendido para Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, as DTVMs. Cinco delas dominam hoje o mercado brasileiro de ouro.

“Nos últimos anos essas instituições financeiras que tinham ou que tem autorização do Banco Central comercializaram e financiaram o ouro ilegal que circulou pelo Brasil e ganhou o exterior”, afirmou. “Quando a gente fala de lavagem de ouro, essas instituições sempre foram um ponto de lavanderia.”

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A diretora do Escolhas defendeu a abertura de mercado, no qual uma indústria possa comprar diretamente de quem produz o ouro de forma responsável. “A gente não vai conseguir incentivar [as boas práticas] se a gente não tirar do meio do caminho as forças que até hoje só incentivaram o mercado ilegal.”

Larissa destacou ainda o fato de existirem hoje alternativas rentáveis ao mercúrio. “Muitas pessoas me perguntam: qual a alternativa ao mercúrio? Às vezes, a resposta não é tão complicada assim. Há algumas questões de tecnologia que às vezes são mais difíceis. Mas existem garimpos produzindo ouro sem mercúrio. Utiliza o quê no lugar? Nada. Utiliza água. A força mecânica da gravidade.”

Gilson Camboim, presidente na Federação das Cooperativas de Mineração do Estado de Mato Grosso, listou uma série de avanços tecnológicos que estão sendo desenvolvidos em centros de pesquisa e podem substituir o mercúrio – como o uso de nanopartículas de magnetita e o extrato das folhas do pau-de-balsa – e alguns que já estão sendo usados pelos garimpeiros – como o processo que une bombeamento de água e filtragem por meio de calhas.

Camboim destacou o papel do cooperativismo na busca de soluções que substituam o mercúrio. “O cooperativismo foi reconhecido pela ONU neste ano de 2025 como um mecanismo para o aprimoramento das atividades econômicas. Vamos lutar para conseguir chegar a este ponto, de eliminar o uso do mercúrio.”

Para Eduardo Gama, diretor de operação da startup Certimine, há muitos desafios para a substituição do mercúrio, um deles o fato de ser eficiente. “O mercúrio é muito tolerante e muito democrático. Aceita folha, areia. O que você alimentar, ele vai tirar ouro. O mesmo não pode ser dito sobre os outros métodos. Eu gosto de falar que o mercúrio é a força bruta, enquanto o resto é ajuste fino”.

Gama destacou a dificuldade de os pequenos mineradores irem para métodos mais sofisticados, pois não conseguem financiamento. “Eles ficam presos numa ratoeira, pois não conseguem migrar para outro regime. E precisam daquela atividade para sobreviver.”

Elena Crespo, professora titular da Universidade Federal do Pará e coordenadora do Instituto Amazônico do Mercúrio, lembrou que a Amazônia é responsável por 80% das emissões de mercúrio na América do Sul e a segunda região do mundo que mais emite a substância.  E destacou que o ouro não fica na Amazônia. “Mas somos os primeiros a receber todas as consequências, as mais graves.” Entre elas, danos ao desenvolvimento das crianças, que passam a ter problemas de aprendizagem. “Falamos aqui de comprometimento das gerações futuras.”

Crespo disse acreditar que os garimpeiros da Amazônia querem mudar esse panorama. “Ninguém quer se expor ou expor sua família simplesmente por ganância”, afirmou a pesquisadora. “Dando oportunidade para eles, vão tornar esse quadro muito mais sustentável.”

Assista à integra do debate no canal do Correio Braziliense no YouTube.

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