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MINERAÇÃO

A falha regulatória na disciplina do bloqueio minerário

Publicado em

 MATHEUS FERRI* 

 

O processamento de pedidos de bloqueio de exploração minerária, a cargo da Agência Nacional de Mineração (ANM), está travado há anos, na pendência de elaboração de novas normas regulatórias. Como será demonstrado, esta circunstância consubstancia falha regulatória, que acarreta insegurança jurídica e prejuízos a inúmeros setores da economia, a ensejar pronta ação da ANM.

O Código de Minas (Decreto -Lei 227, de 28 de fevereiro de 1967) assim dispõe, no artigo 42: “a autorização será recusada, se a lavra for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial, a juízo do Governo. Neste último caso, o pesquisador terá direito de receber do Governo a indenização das despesas feitas com os trabalhos de pesquisa, uma vez que haja sido aprovado o Relatório”.

Além da recusa de autorização estatal para a mineração, o dispositivo se presta a resolver conflitos entre exploração minerária e outras atividades econômicas, possibilitando o bloqueio da extração minerária em dadas áreas, prestigiando-se outros projetos. Esta ordem de conflitos é recorrente e, especialmente em projetos de infraestrutura, tem o potencial de postergar ou inviabilizar a construção de bens que catalisam desenvolvimento – portos, rodovias, usinas hidrelétricas etc.

Tratando especificamente do choque entre a mineração e geração/transmissão de energia, foi redigido o Parecer PROGE 500/2008, aprovado com força normativa pelo então DNPM (sucedido pela ANM). Primeiramente, o parecer determina a compatibilização das atividades, na medida do possível. Não sendo o caso, o bloqueio da atividade minerária depende da demonstração, pelo requerente, de dois requisitos: i) incompatibilidade entre as atividades e ii) superação de utilidade pública do aproveitamento mineral pelo interesse envolvido no projeto energético.

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Ante a ausência de disciplina específica para resolver os litígios entre atividades minerárias e outras, os requisitos para bloqueio estabelecidos no parecer passaram a ser utilizados em todas as controvérsias correlatas. Entretanto, o número conflitos se multiplicou ‒ em parte, por decorrência lógica do indevido uso de pedidos de pesquisa e exploração de lavra para fins especulativos ‒ causando tumulto na agência.

Com efeito, os pedidos de bloqueio estão suspensos, ao argumento da ANM de que “está trabalhando em uma Resolução para regulamentar o assunto. O tema foi incluído em sua Agenda Regulatória. Diante disso, nenhum dos processos (solicitações) de bloqueio minerário estão em andamento. Estão sobrestados em nossos arquivos aguardando novas orientações de análise/procedimentos”.

Ainda, há motivos para crer que o problema tem relação com a escassez de recursos econômicos e humanos enfrentados pelas agências reguladoras, aqui esmiuçado, e que afeta especialmente a ANM.

Não obstante, seja por um ou outro motivo (e até ambos), a constatação de falha e omissão regulatórias é inconteste. Conforme informações obtidas junto à ANM por intermédio da Controladoria-Geral da União (CGU), com base na Lei de Acesso à Informação, desde 2004 foram solicitados 1.952 pedidos de bloqueio. Destes, a Agência teria deliberado pelo bloqueio provisório de apenas 486 áreas, e deferido em caráter definitivo apenas 18 pleitos (0,92%). Ao todo, estariam bloqueados (definitiva e provisoriamente) 9.751.982,85 hectares.

Sobre o desenvolvimento da nova regulação, a agência indicou que o tema está na Agenda Regulatória indicativa, de modo que não necessariamente o assunto (incluído no Eixo 2 – Ordenamento Mineral ou Disponibilidade de Áreas) será concluído no Biênio 2022-2023.

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Em verdade, em consulta ao site que detalha a execução da Agenda Regulatória da ANM, constata-se que o tema não é prioritário e tampouco será resolvido em breve. Isso é inferível tanto pelo fato de não constar da Agenda Prioritária, quanto por não possuir – ao contrário de outros tópicos da Agendas Prioritária e mesmo Indicativa – nem sequer indicação de responsável técnico, membros da equipe, número de processo, ações regulatórias concluídas ou procedimentos de consulta realizados nos campos respectivos.

Bem vistas as coisas, portanto, a omissão deverá perdurar – em absoluta oposição ao que o direito impõe e o mundo dos fatos exige. Esta omissão alimenta incertezas e litígios administrativos e judiciais e reduz a competitividade nacional, na exata medida em que será precificada nos diversos projetos potencialmente afetados.

Ocorre que regular – e bem regular – não é mera faculdade, mas um dever da entidade detentora da respectiva competência. Objetivamente, é tempo de repensar prioridades e dar concretude às relevantíssimas incumbências a cargo da ANM, de modo a suprir a falha regulatória existente. Demais disso, impõe-se que o Estado forneça recursos e propicie ambiente em que as agências efetivamente possuam (e possam maximizar) capacidade institucional.

 

* MATHEUS FERRI – Advogado em Xavier Vianna & Bockmann Moreira, pós-graduando em Direito Administrativo pela FGV Direito SP e graduado em Direito pela PUC-PR

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O Brasil precisa assumir seu papel na corrida dos minerais críticos

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O Brasil está diante de uma oportunidade histórica. Com vastas reservas de lítio, nióbio, grafita, terras raras e outros minerais estratégicos, o país tem condições de se tornar protagonista da transição global para a energia limpa e a economia digital. Mas, para isso, é preciso abandonar improvisos e avançar em direção a uma política pública sólida e confiável.

O recente leilão da Agência Nacional de Mineração (ANM), no qual uma empresa recém-criada em Minas Gerais arrematou áreas de exploração maiores que o Distrito Federal, expôs de forma contundente a fragilidade do atual modelo. Ao permitir que agentes sem histórico ou capacidade financeira assumam concessões dessa magnitude, o Estado transmite o pior sinal possível: afasta investidores sérios e transforma recursos estratégicos em ativos especulativos.

Minerais críticos não são commodities comuns. Eles são a espinha dorsal da economia verde e digital, presentes em baterias, semicondutores, turbinas eólicas, telecomunicações e aplicações de defesa. Quem dominar sua produção, processamento e integração industrial terá papel decisivo na geopolítica do século XXI. Por isso, não se trata apenas de explorar reservas, mas de integrá-las a uma política industrial e tecnológica nacional.

Outros países compreenderam isso e já se moveram. A Turquia transformou suas reservas de boro em instrumento de influência industrial e diplomática, equilibrando cooperação entre Ocidente e China. A Índia lançou em 2025 a sua “National Critical Minerals Mission”, centralizando estratégia, conferindo ao governo federal autoridade exclusiva sobre os leilões e prevendo mais de mil projetos de exploração até 2031. O Canadá, por sua vez, vinculou sua política de minerais críticos diretamente à agenda climática e industrial, incentivando o refino doméstico e a agregação de valor local.

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O Brasil não parte do zero. Em 2024, o IBRAM lançou o “Green Paper”: Fundamentos e Diretrizes para a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE), propondo eixos estruturantes como definição clara da lista de minerais prioritários, integração com a transição energética, governança democrática, agregação de valor local, circularidade e inovação. Esse documento já oferece um caminho consistente para estruturar uma política de Estado.

Mais recentemente, o próprio governo federal reconheceu a urgência do tema. O Ministério de Minas e Energia anunciou que a Política Nacional de Minerais Críticos será lançada ainda em 2025. Na Câmara dos Deputados, tramita o PL 2780/2024, que institui a PNMCE e cuja aprovação é esperada antes da COP30, em novembro. A ANM também criou um departamento dedicado exclusivamente a minerais críticos e estratégicos, fortalecendo a institucionalidade do tema.

Além disso, foi lançado, em conjunto com o setor privado, um novo Green Paper sobre minerais críticos e a COP30, reforçando o papel do Brasil na diplomacia global desses recursos. Estas iniciativas apontam para um alinhamento promissor entre Executivo, Legislativo e setor privado. Mas para que se traduzam em confiança e atração de investimentos, é indispensável que o país estabeleça regras claras de pré-qualificação, exigindo capacidade técnica e financeira robusta de qualquer empresa interessada em concessões. Não podemos permitir que aventureiros se apossem de ativos vitais à transição energética e à reindustrialização.

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Se quisermos protagonismo, concessões devem ser condicionadas a compromissos de investimento real, processamento local e integração às cadeias produtivas nacionais. Mais que extrair, é preciso refinar, industrializar e inovar no Brasil.

A corrida global pelos minerais críticos não é apenas sobre geologia – é sobre visão, credibilidade e soberania. O Brasil tem os recursos, as propostas e as instituições necessárias para se tornar referência mundial. Agora falta transformar boas intenções em política pública efetiva e duradoura. A hora de agir é agora.

JEAN PAUL PRATES

*Mestre em Política Energética e Gestão Ambiental pela Universidade da Pensilvânia e Mestre em Economia da Energia pelo IFP School (Paris). Foi presidente da Petrobras (2023–2024) e senador da República (2019–2023)

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