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OPINIÃO

Minérios raros e a transição energética

Publicado em

Adriano Pires*

 

O caminho em direção a uma economia de baixo carbono está vinculada ao crescimento da demanda pelos chamados minérios raros. O principal fator por trás do crescimento esperado da demanda é o processo de transição energética para as fontes renováveis. As tecnologias sustentáveis, desde os receptores fotovoltaicos, que compõem os painéis solares, às baterias utilizadas na eletrificação do setor de transporte, são significativamente mais dependentes de recursos minerais se comparadas às tradicionais.

Segundo a AIE (Agência Internacional de Energia), um carro elétrico típico requer 6 vezes mais insumos minerais do que um automóvel convencional, enquanto um parque eólico offshore requer 13 vezes mais minerais que uma usina a gás de tamanho similar….

A projeção de um crescimento acelerado da demanda exige que a oferta desses insumos também evolua, de forma a se evitar pressões inflacionárias e gargalos de produção nas cadeias dependentes. Por se tratar de um recurso natural, assim como os combustíveis fósseis, a exploração e investimento nesses minérios é dependente das condições econômicas, ambientais e institucionais dos países onde as reservas estão localizadas. Tal característica favorece o surgimento de monopólios estatais e potencializa os fatores de risco para o investimento em países menos desenvolvidos, questões já evidentes nas condições atuais da indústria de minérios raros.

O Brasil tem posição relevante no cenário de cadeias de suprimento, ainda em formação, e expectativa de crescimento exponencial do setor nos próximos anos. A Vale, por exemplo, mineradora que nasceu como uma estatal brasileira, está entre as maiores produtoras mundiais de níquel, cobre e cobalto, com minas e instalações de processamento no Canadá, na Indonésia e no Brasil.

Nesse contexto, o governo de Minas Gerais apresentou, recentemente, um plano cujo objetivo é posicionar cidades do nordeste e norte do Estado como centro produtor de um dos minérios críticos da transição energética: o lítio. A campanha intitulada Vale do Lítio (Lithium Valley Brazil), de acordo com as autoridades estaduais, irá envolver a agilização das licenças ambientais e estudos para eventuais investimentos em infraestrutura. Estimativas do governo mineiro dizem que existem, hoje, 45 jazidas de lítio no nordeste do Estado, podendo aumentar em mais de 20 vezes a produção nacional.

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O plano foi idealizado pela Invest Minas, a agência de promoção de investimento e comércio exterior do Estado, com o objetivo de fomentar a exploração dos recursos naturais da região do Vale do Jequitinhonha, uma das mais pobres do Estado. A área definida para o projeto, composta por 14 municípios do Estado, apresenta a maior concentração de lítio do país. O objetivo é que a medida leve ao desenvolvimento da economia local a partir da formulação de políticas públicas, com foco na atração de empresas e investimentos, qualificação da mão de obra, incentivo à tecnologia e fornecimento da infraestrutura necessária.

Em abril de 2023, a empresa Sigma Lithium inaugurou sua produção comercial de lítio no Vale do Jequitinhonha. De acordo sua CEO, Ana Cabral-Gardner, a empresa deve despachar, do Porto de Ilhéus, o 1º carregamento de 15.000 toneladas, ainda no mês de maio. O objetivo é produzir anualmente lítio suficiente para 617 mil carros elétricos.

Sozinho, o Brasil tem cerca de 1/5 das reservas globais de grafite, níquel, manganês e elementos de terra-rara, segundo a AIE. Apesar disso, o país produz apenas quantidades pequenas ou moderadas desses insumos, com participação de 0,2% na oferta global de elementos de terra-rara e 7% na oferta de grafite. A falta de investimentos, não só no Brasil, mas na América Latina como um todo, fica clara observando a alocação dos recursos privados do setor. Segundo dados da AIE, só 7% dos investimentos globais na exploração de níquel e elementos de terra-rara são destinados à região.

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Apesar dos esforços para viabilizar a exploração em ritmo mais acelerado, as mineradoras globais estão enfrentando diversos entraves, desde os altos preços da energia até o aumento dos custos de infraestrutura e a interrupção da cadeia de suprimentos. Além das questões de mercado e regulatórias, embora muitos minerais críticos possam ser encontrados em estado bruto e em grandes quantidades em diversos países, extraí-los e refiná-los para uma forma utilizável pode ser uma atividade cara, tecnicamente desafiadora, altamente intensiva em energia e arriscada para o ecossistema local.

O aumento da participação das fontes renováveis na geração de energia depende de uma série de evoluções tecnológicas nos setores correlacionados, dentre eles o de mineração. As projeções de crescimento exponencial da exploração desses insumos sinalizam que há espaço para a formação de uma dinâmica no cenário internacional, representando uma oportunidade para aqueles países que possuem reservas minerais. Assim como em outros segmentos da indústria primária, com investimentos estratégicos e incentivos adequados, o Brasil tem o potencial de se colocar como um importante player global de minerais críticos para a transição energética.

 

*Adriano Pires Adriano Pires, 66 anos, é sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). É doutor em economia industrial pela Universidade Paris 13 (1987), mestre em planejamento energético pela Coppe/UFRJ (1983) e economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980). Atua há mais de 30 anos na área de energia. Escreve para o Poder360 às terças-feiras.

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O Brasil precisa assumir seu papel na corrida dos minerais críticos

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O Brasil está diante de uma oportunidade histórica. Com vastas reservas de lítio, nióbio, grafita, terras raras e outros minerais estratégicos, o país tem condições de se tornar protagonista da transição global para a energia limpa e a economia digital. Mas, para isso, é preciso abandonar improvisos e avançar em direção a uma política pública sólida e confiável.

O recente leilão da Agência Nacional de Mineração (ANM), no qual uma empresa recém-criada em Minas Gerais arrematou áreas de exploração maiores que o Distrito Federal, expôs de forma contundente a fragilidade do atual modelo. Ao permitir que agentes sem histórico ou capacidade financeira assumam concessões dessa magnitude, o Estado transmite o pior sinal possível: afasta investidores sérios e transforma recursos estratégicos em ativos especulativos.

Minerais críticos não são commodities comuns. Eles são a espinha dorsal da economia verde e digital, presentes em baterias, semicondutores, turbinas eólicas, telecomunicações e aplicações de defesa. Quem dominar sua produção, processamento e integração industrial terá papel decisivo na geopolítica do século XXI. Por isso, não se trata apenas de explorar reservas, mas de integrá-las a uma política industrial e tecnológica nacional.

Outros países compreenderam isso e já se moveram. A Turquia transformou suas reservas de boro em instrumento de influência industrial e diplomática, equilibrando cooperação entre Ocidente e China. A Índia lançou em 2025 a sua “National Critical Minerals Mission”, centralizando estratégia, conferindo ao governo federal autoridade exclusiva sobre os leilões e prevendo mais de mil projetos de exploração até 2031. O Canadá, por sua vez, vinculou sua política de minerais críticos diretamente à agenda climática e industrial, incentivando o refino doméstico e a agregação de valor local.

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O Brasil não parte do zero. Em 2024, o IBRAM lançou o “Green Paper”: Fundamentos e Diretrizes para a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE), propondo eixos estruturantes como definição clara da lista de minerais prioritários, integração com a transição energética, governança democrática, agregação de valor local, circularidade e inovação. Esse documento já oferece um caminho consistente para estruturar uma política de Estado.

Mais recentemente, o próprio governo federal reconheceu a urgência do tema. O Ministério de Minas e Energia anunciou que a Política Nacional de Minerais Críticos será lançada ainda em 2025. Na Câmara dos Deputados, tramita o PL 2780/2024, que institui a PNMCE e cuja aprovação é esperada antes da COP30, em novembro. A ANM também criou um departamento dedicado exclusivamente a minerais críticos e estratégicos, fortalecendo a institucionalidade do tema.

Além disso, foi lançado, em conjunto com o setor privado, um novo Green Paper sobre minerais críticos e a COP30, reforçando o papel do Brasil na diplomacia global desses recursos. Estas iniciativas apontam para um alinhamento promissor entre Executivo, Legislativo e setor privado. Mas para que se traduzam em confiança e atração de investimentos, é indispensável que o país estabeleça regras claras de pré-qualificação, exigindo capacidade técnica e financeira robusta de qualquer empresa interessada em concessões. Não podemos permitir que aventureiros se apossem de ativos vitais à transição energética e à reindustrialização.

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Se quisermos protagonismo, concessões devem ser condicionadas a compromissos de investimento real, processamento local e integração às cadeias produtivas nacionais. Mais que extrair, é preciso refinar, industrializar e inovar no Brasil.

A corrida global pelos minerais críticos não é apenas sobre geologia – é sobre visão, credibilidade e soberania. O Brasil tem os recursos, as propostas e as instituições necessárias para se tornar referência mundial. Agora falta transformar boas intenções em política pública efetiva e duradoura. A hora de agir é agora.

JEAN PAUL PRATES

*Mestre em Política Energética e Gestão Ambiental pela Universidade da Pensilvânia e Mestre em Economia da Energia pelo IFP School (Paris). Foi presidente da Petrobras (2023–2024) e senador da República (2019–2023)

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